13/03/2006
revista Época de 13 de março de 2006 vem com pronunciamento do Presidente da Associação dos Magistrados da Paraíba

Até R$ 34 mil por mês

É quanto chega a ganhar um juiz no Brasil. Agora, o Supremo e o Conselho Nacional de Justiça preparam um ataque aos supersalários

Andrei Meireles e Ronald Freitas


Fotos: Glaucio Dettmar/ÉPOCA

Poucos segredos são tão bem guardados na Justiça brasileira quanto o salário dos magistrados, em especial dos desembargadores estaduais. Ao longo de décadas, os homens que aplicam as leis construíram para si mesmos - longe da vista da sociedade - um complicado sistema de gratificações e vantagens. Para desvendá-lo, o Conselho Nacional de Justiça passou os últimos seis meses cobrando informações dos tribunais.Vários Estados se recusaram a responder. Outros mandaram informações incompletas. Depois de muita investigação, o conselho conseguiu formar um quadro esclarecedor sobre os contracheques da magistratura. Os relatórios, obtidos por ÉPOCA, são uma aula de como multiplicar o próprio salário.

Na Paraíba, o 'vencimento básico' de um desembargador é de R$2.400 mensais. A esse valor somam-se R$ 4.800 de verba de representação, até R$ 4.100 de gratificações por tempo de serviço e mais R$ 12.700 divididos entre várias vantagens permanentes que atendem por nomes herméticos como'adicional isonômico' e 'parcela autônoma'. 'Nem eu sei o que significa isso', diz o presidente da Associação de Magistrados da Paraíba, Marcos Salles. Depois de tantas parcelas, o resultado final resulta num salário de até R$ 24 mil.

No Amazonas, o salário inicial, de R$ 5.700, pode chegar a R$ 34 mil, segundo o levantamento do Conselho Nacional de Justiça. 'Ganho menos que isso. Dá uns R$ 30 mil', afirma o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Arnaldo Peres. 'Acho justo. Trabalhei dez anos no interior e peguei até malária.' Pode ser justo, mas a lei proíbe. Os vencimentos do desembargador Peres estão quase R$ 8 mil acima do teto da categoria. Ainda assim, Peres acha que ele e os colegas são vítimas de uma jogada política. 'É hipocrisia. O ministro Nelson Jobim transformou nossos salários em plataforma para ser candidato a vice-presidente da República', afirma.

Marcos Silva/Correio Amazonense
INSALUBRIDADE
Arnaldo Peres, do Amazonas, ganha R$ 30 mil por mês. 'É justo. Trabalhei no interior e peguei até malária'

Jobim tem uma posição estratégica nessa briga. É presidente do conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF). Na quinta-feira, o Supremo deu um passo importante na luta contra os supersalários da Justiça. Mandou que todos os magistrados passem a obedecer ao teto salarial da categoria. Esse limite é de R$ 24.500 para ministros do STF e de R$ 22.100 para os desembargadores. A estimativa é que cerca de 2 mil dos 14 mil magistrados brasileiros estejam acima do teto.

A sessão do Supremo foi acompanhada por uma atenta platéia de desembargadores. Eles chegaram cedo e ocuparam as primeiras filas, mas foram esvaziando as galerias à medida que a derrota ficava evidente. Os tribunais estaduais também se rebelaram quando o ConselhoNacional de Justiça proibiu o nepotismo. Só aceitaram demitir os parentes depois de receber ordem do Supremo. Quase 3 mil familiares de juízes foram demitidos até agora.

O 'pé na cova', gratificação para convencer os juízes a não se aposentar antes dos 70 anos, é incorporado ao salário do aposentado

Não por acaso, a criação do Conselho Nacional de Justiça foi um dos pontos mais polêmicos da reforma do Judiciário. Grande parte dos magistrados recusava-se a aceitar qualquer forma de controle externo. A resistência foi tão grande que a reforma demorou 13 anos para ser aprovada. Levou menos de um ano para dar resultados. Iniciativas como a proibição do nepotismo e o controle dos salários dão maior transparência à Justiça no Brasil. Nesta terça-feira, o conselho vai dar mais um passo nesse sentido. Já tem prontas duas resoluções. Uma delas reforça a decisão do Supremo de que ninguém pode ganhar mais que o teto. Outra exige que os tribunais acabem com todos os penduricalhos que engordam os salários dos magistrados. Em lugar da pilha de gratificações, vão receber um único salário, como qualquer outro trabalhador brasileiro.

Com a reforma, a Justiça brasileira tem melhorado, mas ainda exibe números assustadores. Os 11 ministros do Supremo têm uma fila de 110 mil processos para julgar. O tempo médio de tramitação de cada ação que chega aos tribunais superiores é de oito anos. Resolver esses entraves é o próximo desafio da reforma do Judiciário - ingrediente crucial para o país se tornar mais atraente para os investidores, ter empresas mais competitivas e pôr sua economia no rumo do crescimento. Já foram aprovadas mudanças importantes, como a súmula vinculante, que obriga os juízes de primeira instância a seguir as decisões dos tribunais superiores. Outros projetos aguardam votação no Congresso. O Brasil poderia seguir o exemplo da Austrália. Há dez anos, a Justiça do país enfrentava problemas semelhantes aos da brasileira. As autoridades australianas concluíram que a Justiça atrasava o desenvolvimento nacional e enfrentaram o caso como questão de Estado. Com o apoio do Congresso, promoveram uma grande reforma legal, acabando com as leis de dupla interpretação. Investiram US$ 3,7 bilhões em tecnologia e deram metas de produtividade aos juízes. Em 1995, havia 2 milhões de processos que envolviam empresas aguardando julgamento. Hoje, são 500 mil. 'Medidas como o combate ao nepotismo e o controle dos salários dão transparência à Justiça, mas é preciso ir mais longe para garantir eficiência', diz a cientista política Maria Tereza Sadek.

Foto: Chico Ferreira/Gazeta de Cuiabá
MISTÉRIO
O presidente do TJ de Mato Grosso, José Jurandir de Lima, acha 'estelionato' reduzir os salários. Não diz quanto ganha

No Brasil, o poder de definir a própria remuneração gerou um sem-número de privilégios para os magistrados. Para os desembargadores de Minas Gerais, um ano tem 15 meses. Eles recebem 14o e 15o salários, a título de 'auxílio-paletó'. Para não dar na vista, o pagamento é dividido ao longo do ano. A justificativa é equiparar os ganhos dos magistrados aos dos deputados estaduais. No Rio Grande do Sul, os juízes que entraram na carreira até o começo dos anos 80 têm direito ao 'pé na cova'. A gratificação é paga para quem tem idade de se aposentar mas permanece na ativa. O estranho é que eles continuem a receber o bônus depois de se aposentar.

Outra mágica acontece na contagem do tempo de serviço. A grande maioria dos desembargadores e juízes já leva uma vantagem sobre os trabalhadores da iniciativa privada. A cada ano de trabalho, ganham 1% de gratificação. Mas, para alguns magistrados, o tempo corre em ritmo diferente. No caso dos desembargadores gaúchos, depois de 15 anos de serviço a gratificação é de 30% sobre o salário. Aos 25 anos de carreira, chega a 50%. O bônus é conhecido como 'cascatinha'. Ninguém, a não ser os próprios desembargadores gaúchos, sabe dizer quanto eles ganham.

Gratificações transitórias, como a paga aos presidentes dos TJs, são incorporadas aos salários e se tornam permanentes em muitos Estados

Em Santa Catarina, no fim da carreira, a gratificação por antiguidade chega a 72%. Uma espécie de 'cascatão'. Só essa vantagem chega a render R$ 8.500 extras por mês a cada desembargador. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, os desembargadores do Estado recebem até R$27 mil mensais. Em Roraima, uma lei estadual permite que o tribunal pague o combustível dos carros particulares dos desembargadores e até as contas de água, luz, telefone 'e demais encargos' de suas casas. Outro benefício é a ajuda de custo de 30% do salário para capacitação dos juízes.

Foto: Celso Junior/AE
POLÊMICO
Acusado de fazer política no cargo, o presidente do STF, Nelson Jobim, diz que os juízes reagem porque querem manter a 'caixa-preta' dos salários

Quase todos os Estados pagam gratificações aos magistrados que exercem funções de mando nos tribunais, como a presidência, a vice ou a Corregedoria. Batizadas de 'gratificações temporárias', deveriam ser pagas apenas enquanto o cargo é ocupado, mas muitos Estados, como a Paraíba, incorporam o valor ao salário. Uma vez presidente, sempre presidente, ao menos no contracheque. O tribunal do Maranhão ainda paga uma gratificação de 20% sobre o salário para o decano, desembargador veterano no tribunal. Hoje, o posto é de Antonio Fernando Bayma Araújo, de 52 anos. Ele teria direito a esse bônus pelos 18 anos que ainda faltam para sua aposentadoria. Em entrevista a ÉPOCA, Araújo afirmou que ganha abaixo do teto, mas não disse quanto.

No Rio de Janeiro, uma circular distribuída pela Associação dos Magistrados informa que o tribunal do Estado adotou dois contracheques. O oficial fica no valor do teto salarial. O que sobra é pago em outra folha. Em Mato Grosso, vários desembargadores recebem acima do limite. 'A remuneração acima do teto é direito adquirido. É estelionato retirar vencimentos incorporados legalmente ao longo de uma carreira', afirma o presidente do tribunal, José Jurandir de Lima.





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