07/01/2009
2008 – O ano do Judiciário

No texto em que apresentou o produto final do trabalho dos constituintes, em 1988, Ulysses Guimarães grifou que a Constituição Coragem "andou, imaginou inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei". O experiente líder político ressaltava ali a crença de que a democracia brasileira, ainda arranhada pelos efeitos danosos dos anos de chumbo, estava pronta para o caminho da maturidade. Sua força estava no fato de ter trazido para o Congresso o povo brasileiro, que conquistou ali dentro, a sua cidadania.


O Judiciário agora mostra que também é capaz de ouvir para decidir. 2008 ficará marcado como o ano da Justiça Cidadã, o ano em que a mais alta Corte do País abriu suas portas para receber em audiências públicas setores sociais com posicionamentos díspares e, a partir das discussões democraticamente travadas, tomar as decisões que irão repercutir na vida de todos nós. Destaco aqui dois momentos históricos: os debates patrocinados pela sociedade em torno da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, e do uso de células-tronco de embriões para pesquisas científicas. O primeiro caso ainda está em aberto. O segundo resultou em um avanço para a ciência. As pesquisas estavam paradas aguardando o julgamento de ação direta de constitucionalidade que proibia o uso dos embriões.


O fortalecimento das instituições iniciado há 20 anos permitiu ao Judiciário tornar-se um Poder mais aberto e sensível às mudanças sociais. Isso não significa que os ministros e juízes julguem desconsiderando o arcabouço legal ou sob pressão popular. Apenas que a avançada estrutura alcançada, com a consolidação de princípios como a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos além de regras claras para promoção por merecimento, deram segurança ao magistrado para trabalhar de maneira independente.


O resultado são decisões até então inimagináveis, como a proibição do nepotismo. Aos poucos, o público e o privado vão se tornando distintos, as ações paroquiais são cada vez menos toleradas. A Associação dos Magistrados Brasileiros deu sua contribuição ao pedir ao STF que se manifestasse sobre a constitucionalidade da Resolução do Conselho Nacional de Magistratura, que proibiu a contratação de parentes no âmbito do Judiciário. Os ministros da Suprema Corte foram além e determinaram o fim do nepotismo em todos os poderes e escalões.


Só por isso, 2008 entraria definitivamente para a história como o ano do Judiciário. Mas houve mais. Em novembro, nove dos onze ministros do Supremo julgaram pela manutenção da fidelidade partidária definida pelo Tribunal Superior Eleitoral em julgamento no início do ano. A decisão valerá até que o Congresso normatize o tema. A fidelidade partidária é importante para o fortalecimento dos partidos políticos e, também, para tornar claro para o eleitor os princípios e ideais que constituem as agremiações da qual fazem parte os candidatos. Os magistrados foram acusados de estar legislando, mas isso não é verdade. Nem uma lei nova foi criada, apenas interpretada a partir do pedido de um partido político que se sentia prejudicado pelo jogo do troca-troca tão comum no Congresso Nacional.


Ainda no campo eleitoral - espaço onde a democracia é exercida de maneira mais visível - a magistratura desempenhou importante papel unindo desde a base até a cúpula em um movimento inédito: as audiências públicas com eleitores de todo o país. Foram 1.400 reuniões em praças públicas, escolas, auditórios ou fóruns em que juízes eleitorais puderam falar das leis em vigor e da importância do voto livre e consciente. E os eleitores puderam manifestar suas dúvidas, esperanças e críticas. As audiências foram feitas pela AMB em conjunto com o TSE, parceiro da segunda edição da campanha Eleições Limpas.


Não menos importante foi a decisão da AMB de disponibilizar em seu portal os nomes dos candidatos que respondem a processos. Sem fazer juízo de valor sobre esses candidatos e abrindo espaço em seu próprio site para que todos pudessem apresentar sua defesa, a AMB prestou um serviço de utilidade pública ao facilitar ao eleitor a busca de informação sobre a vida pregressa daqueles que disputavam seu voto e o direito de representá-lo nas prefeituras e câmaras de vereadores. A decisão gerou críticas por parte de assessores e de candidatos que tiveram seus nomes expostos, apesar de os processos serem públicos e estarem disponíveis nas páginas dos Tribunais. Mas foi bem recebida pela população, que deixou milhares de apoios assinalados no site. Só nas primeiras horas do lançamento da lista foram feitos mais de 200 mil acessos. Isso demonstra a importância d informação como ferramenta de conscientização. A AMB não fez nenhum julgamento, isso coube ao eleitor, que rejeitou cerca de 70% dos nomes relacionados. Essa tarefa deverá ser assumida pelo TSE em 2010.


Tudo isso demonstra que juízes de todos os escalões do Judiciário estão prontos para cumprir seu papel de defesa da lei e da cidadania. Mesmo que para isso tenha que quebrar tabus, como corajosamente fizeram nossos constituintes.


» Mozart Valadares Pires é presidente da AMB

Autor:   Mozart Valadares Pires

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