14/11/2008
A Justiça não pode parar

Nos últimos dias, mais precisamente dos dias 20 de dezembro de 2005 a 06 de janeiro de 2006, o Poder Judiciário encontra-se de recesso, com todas as suas atividades paralisadas, exceto questões de relevante urgência. Tal medida é proveniente de decisão do Conselho Nacional de Justiça(CNJ), que em vista do fim das férias forenses, resolveu recomendar ao Judiciário Estadual a figura do recesso, antes só existente na Justiça Federal, eis que no Judiciário Federal nunca houve férias forenses.

 

Para melhor compreensão do leitor-ouvinte é preciso que se esclareçam os conceitos de recesso, férias forenses e férias individuais dos magistrados. O recesso é a suspensão temporária das atividades do Poder Judiciário, no qual todos os Juízes de Direito e Desembargadores deixam de prestar expediente, fazendo ressalva apenas para casos de relevante urgência a serem julgados por um magistrado de plantão para uma região de Comarcas. Tal período, como antes dito, vai de 20 de dezembro a 06 de janeiro. As férias forenses, por sua vez, se davam nos períodos de janeiro e julho de cada ano. Períodos esses nos quais o Poder Judiciário tinha uma diminuição do número de magistrados trabalhando, ficando apenas alguns em cada Comarca. Diferente do recesso, nas férias forenses o Poder Judiciário continuava a funcionar só que dava férias a maioria de seus juízes e funcionários. A figura das férias forenses foi extinta por força da Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional no. 45/04) . As férias individuais dos juízes são períodos de descanso dos magistrados. Trata-se de direito pessoal e independe de existência ou não das férias forenses(férias coletivas).

 

É bom frisar que o recesso forense na Justiça Federal é previsto em lei (art. 62 da lei 5.010/66) e não se confunde com as férias coletivas dos tribunais (extintas pelo artigo 93, XII, da Constituição). Portanto, é de se entender que o recesso como aplicado na Justiça Estadual não tem de garantia legal.

 

O recesso do Judiciário Federal vem desde de 1966, no entanto, naquela instância julgadora não havia férias forenses, como antes havia na Justiça Estadual. A implantação do recesso no lugar das extintas férias forenses caracteriza-se como um retrocesso para o Poder Judiciário Estadual, que hoje se encontra assoberbado de processos para julgar, não encontra tempo para tal, é cobrado pela morosidade, e, mesmo assim encontra espaço para paralisar suas atividades ocasionando assim mais demora na resolução das causas e, consequentemente, imagem negativa perante a sociedade.

 

A Constituição da República Federativa do Brasil é bem clara quando determina no artigo 93, XII que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente;” (Inciso acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, DOU 31.12.2004)


                  A interpretação abrangente que deu o Conselho Nacional de Justiça(CNJ) a esse dispositivo, quando autorizou que o recesso da Justiça Federal pudesse ser aplicado na Justiça Estadual (Processo: PRS - 012/2005 – CNJ) vem de encontro a manifestação popular representada pelos parlamentares quando alteraram a Constituição Federal para exigir mais agilidade do Poder Judiciário, eliminando com a EC/45 as férias forenses, que acarretava a interrupção da atividade jurisdicional.

 

O argumento utilizado pelo Conselheiro Relator de que para os advogados brasileiros o fim das férias forenses coletivas torna impossível o desfruto de alguns dias de descanso, insustentável e desprovido de razoabilidade. Não pode um serviço público essencial, que é a prestação jurisdicional, ser relegada  a segundo plano em função de férias de profissionais liberais. Trata-se isso sim de uma inversão de valores, na qual a sociedade, que necessita com urgência da Justiça, é preterida em prol de uns poucos advogados que querem ter uns poucos dias de descanso. 

 

A advocacia é essencial a função jurisdicional, mas essa essencialidade diz respeito a função e não a pessoa do profissional, que deve saber administrar sua vida profissional e particular, independente da funcionalidade da Justiça. Não se pode querer parar toda a prestação jurisdicional por longos dezoito dias por que os advogados, com o fim das férias forenses, não terão mias como programar suas férias individuais.

 

A Justiça não pode parar. A finalidade do legislador, ao reformar até a Constituição Federal, Lei Maior do país, foi tentar acabar com a morosidade da Justiça, prescrevendo expressamente que a Justiça deve funcionar ininterruptamente.

 

A Justiça Federal tem seu recesso prescrito em lei, que também precisa ser revogado. No entanto, o Judiciário Federal tem um público alvo diferente do Judiciário Estadual. As questões discutidas e resolvidas no Poder Judiciário Federal dizem respeito, geralmente, a matérias relacionadas com a União e suas autarquias, sendo, na maioria das vezes, processos que não exigem urgência. Já no caso do Judiciário Estadual o foco é o cidadão, são as causas que envolvem matérias pessoais e familiares, que necessitam de urgência e presteza. Em termo práticos, diga-se que se pode esperar 18(dezoito) dias de recesso pela tramitação de um processo contra o Governo Federal, mas não se pode esperar 18(dezoito) dias para apreciação de um pedido de pensão alimentícia.

 

No âmbito da Justiça Estadual, a Justiça que tem como público alvo as questões do cidadão, do povo, da comunidade, da família e da segurança pública, o recesso está acarretando negação da prestação jurisdicional. Imagine-se o réu condenado, cumprindo pena, que tem um pedido de progressão de regime ou de indulto nesse período natalino, e com o recesso seu pedido é postergado por longos dias.

 

Há outros exemplos práticos que precisam ser analisados e sopesados para que a sociedade se insurja contra o recesso forense no âmbito do Poder Judiciário Estadual. Veja-se que na Justiça Federal não há apreciação de pedidos de alimentos ou pensões alimentícias. Já na Justiça Estadual, todos os dias as mães de família, que necessitam recorrer à Justiça para que os pais de seus filhos paguem pensões alimentícias, estão na porta do Fórum esperando que as portas reabram para garantirem o mínimo de sustento, um mínimo de dignidade. Aqui reside a importância da Justiça Estadual, a necessidade de se ter fóruns sempre de portas abertas para a população. O povo precisa de Justiça.

 

É na Justiça Estadual que se realizam os casamentos, especialmente no final de ano, no entanto, com o recesso não se pode mais casar no período de final de ano. É preciso viver com o povo para conhecer as necessidades do povo. Quem é sertanejo sabe muito bem que geralmente a maioria dos casamentos ocorrem nessa época, quando o noivo vem de São Paulo, onde trabalha, para casar com a noiva do sertão que lhe espera há anos. É justamente nesse período de férias que a Justiça nega a celebração do casamento civil e muitas vezes atrapalha a cerimônia religiosa.

 

Há ainda os casos de prisões em flagrante, de pedidos de busca e apreensão, de requerimento de liberdade provisória e tantas outras matérias criminais que exigem sempre agilidade e pressa. Mas o Fórum está fechado.

 

Além dos casos de menores em situações irregulares, há ainda, nessa época do ano, a necessidade de autorização de viagem para menores de idade que só é expedida pela Justiça da Infância e da Juventude e que com o recesso tais providências restam extremamente difíceis de serem solucionadas. Nessas horas a população sofre enquanto o Poder Judiciário encontra-se paralisado sem finalidade plausível.

 

 Imagine quem precisar de uma certidão de antecedentes criminais para a comprovação de idoneidade moral, geralmente exigida para admissão em serviço público. Vai ter que esperar ou ir até a Comarca que se encontra de plantão para a prestação do serviço. O Poder Judiciário precisa entender que deve ir até o cidadão e não forçar o cidadão a ir ao seu encontro.

 

São essas algumas das problemáticas acarretadas por um recesso forense que não possui justificativa. O Poder Judiciário deve ter como finalidade, nesse momento da história, a celeridade de suas decisões, e, para isso precisa trabalhar muito. O recesso forense é, portanto, uma medida que vem na contramão dos interesses de nós juízes que queremos dar ao poder que integramos uma imagem de presteza e celeridade; vem na contramão dos interesses da sociedade que necessita de juízes que trabalhem e um Judiciário que não feche.

 

A sociedade é ciente de que os juízes são homens e ao final de um jornada de trabalho precisam de férias, no entanto, férias individuais e não coletivas. Já o Poder Judiciário, como instituição, não deve parar, pois as instituições não necessitam de paralisação, mas sim de moralização.

 

A Justiça deve buscar formas de permanecer com os fóruns abertos para atendimento a população dia e noite e durante os feriados. Um ótimo instrumento para isso é a Internet, que deve ser melhor utilizada e aprimorada, não só em termos logísticos, mas também de aperfeiçoamento dos juízes para sua utilização. Assim estaremos prestando melhor a jurisdição para a população. O judiciário não pode vestir o manto da ausência de trabalho, como hoje é mostrado com o parlamento brasileiro, que é visto como o Poder que menos trabalha. Precisamos encontrar meios de equacionar os problemas da lentidão da Justiça e, com certeza, não é paralisando nossas atividades que iremos chegar a esse objetivo. 

 

Por isso, é preciso que a sociedade, os meios de comunicação, os profissionais do Direito e as pessoas de bem se mobilizem contra o recesso forense e a favor de um Poder Judiciário sempre aberto aos anseios da sociedade e de seu povo.

 

Cajazeiras-PB 03 de janeiro de 2006

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*Edivan Rodrigues Alexandre

É:      Juiz de Direito titular da 4a. Vara da Comarca de Cajazeiras

         Juiz de Direito da 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais – Sousa-PB

Foi:          Promotor de Justiça no Rio Grande do Norte

         Advogado militante na região de Sousa-PB

         Professor da Universidade Federal da Paraíba – CCJS

         Professor da Escola Superior da Magistratura – ESMA-PB

         Professor da Escola Superior do Ministério Público – FESMP-PB

Como Juiz de Direito, exerceu seu cargo nas Comarcas de Uiraúna, no Juizado Especial de Cajazeiras, foi Juiz Titular da Quarta Turma Recursal dos Juizados Especiais, sediada em Sousa, durante os anos de 2002 a 2004,

Como Juiz Eleitoral, presidiu as eleições de Uiraúna(53a. Zona Eleitoral) no ano de 2000 e as de Cajazeiras(68a. Zona Eleitoral) em 2002.

 

@-E-mail: edivan.rodrigues@tj.pb.gov.br

               edvanparis@uol.com.br

 

Autor:   Edivan Rodrigues Alexandre

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