05/03/2009
GESTÃO JUDICIÁRIA: a “nova” onda de acesso à justiça

RESUMO


Trata-se de um estudo dirigido à demonstração de que os conhecimentos advindos da ciência da Administração, mormente no que se refere à gestão judiciária para a qualidade total, podem contribuir para viabilizar o acesso à justiça, que se ampara atualmente no tripé: possibilidade de propor uma ação em Juízo, de manter a demanda até o deslinde da questão e de receber resposta do Judiciário em prazo razoável. Partindo da idéia surgida com as "ondas" renovatórias do processo civil, criadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, pretende-se mostrar que a gestão judiciária é a nova "onda" de acesso a uma ordem jurídica justa, na medida em que pode substituir o juiz-juiz pelo juiz-gestor, que passa a ser um profissional não só preocupado em despachar e sentenciar, mas, sobretudo, em entregar uma prestação jurisdicional eficiente e efetiva, beneficiando o acesso do jurisdicionado pobre à justiça.


Palavras-chave: Gestão Judiciária. Qualidade Total. Acesso à Justiça.


ABSTRACT


This is a study focused on the demonstration that the knowledge originated from the Administration science, mainly when it is referred to judicial management to total quality, may contribute to make the access to justice more viable, which is based, nowadays, in the triplet: the possibility of proposing a lawsuit; of maintaining the demand until it becomes clear, and of receiving answers from the Judiciary in a reasonable time. Starting with the idea arisen from the new "craze" of procedural law, created by Mauro Cappelletti e Bryant Garth, it is intended to show that judicial management is the "craze" of access to a fair juridical order, once it is possible to substitute the judge-judge to the judge-manager, who is worried not only about sentencing and expediting but also about offering a more efficient and effective jurisdictional service, bringing benefits to the access of the poor to justice.


Key words: Judicial management. Quality total. Acess to justice.


SUMÁRIO


1. Introdução; 2. Acesso à Justiça; 2.1 Aspectos introdutórios; 2.2. Releitura do conceito de acesso à justiça; 2.2.1 Propositura de ação junto ao Poder Judiciário; 2.2.2 Manutenção da ação em Juízo; 2.2.3 Resposta em prazo razoável; 2.3. Ondas renovatórias de Cappelletti e Garth; 3. Gestão Judiciária; 3.1. Breves considerações; 3.2. Mudança de paradigma: juiz-juiz x juiz-gestor; 3.3. Conceito de gestão judiciária; 4. Conclusão; 5. Referências bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO


Vivemos a era da crise do Judiciário, consubstanciada no fato de o processo não conseguir cumprir a missão que lhe é atribuída de ser instrumento de acesso à justiça e meio efetivo de entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável. A Emenda Constitucional nº. 45/2004 não trouxe a esperada reforma estrutural necessária à transformação do Judiciário em serviço público célere, eficiente e efetivo pelo qual clama a sociedade.


Entre os responsáveis por essa crise, destaca-se o legislador, por não conseguir reduzir a burocracia existente no rito processual. Todavia, não é aconselhável a conformação com essa problemática que assola o Judiciário, sob o argumento de que a mudança deve partir de terceiros alheios ao sistema. O juiz da atualidade precisa superar a crença de que sua função é apenas despachar e sentenciar processos; precisa ter responsabilidade social e contribuir com o Judiciário utilizando as armas de que dispõe para que o jurisdicionado tenha pleno acesso à Justiça. Esse só será alcançado se, após propor uma demanda, o jurisdicionado conseguir manter o processo em Juízo até a prolação de uma sentença, que deve ser de mérito e concedida em prazo razoável.


O primeiro passo a ser dado é no sentido da mudança de mentalidade do juiz, para que ele possa ousar, utilizando, sobretudo, a criatividade no âmbito em que trabalha. É preciso que vejamos o processo na perspectiva dos "consumidores" da prestação jurisdicional. Essa transformação pode ser incentivada por conceitos e ensinamentos advindos de outras ciências, marcadamente, da Administração.


O presente estudo pretende inaugurar a era da interdisciplinaridade, com a gama de aprendizagem que dela se pode extrair. Queremos provar que a gestão judiciária é a nova onda de acesso à justiça e pode incentivar e contribuir para este tanto quanto as ondas renovatórias propostas por Mauro Cappelletti e Garth.


2 ACESSO À JUSTIÇA


2.1 Aspectos introdutórios


O acesso à justiça é direito consagrado na Constituição Federal, que em seu art. 5º, inc. XXXV assevera que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".


A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por outra vertente, aduz, no art. X, que "toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele".


O cotejo dos dispositivos mencionados faz-nos chegar à ilação de que o acesso à justiça traz em si a marca de direito fundamental constitucionalmente garantido e sintonizado com a Declaração Universal de 1948, sendo, por derradeiro, a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado na CF/88.


Na seara processual, ressalte-se a superveniência do princípio do acesso à justiça em relação aos demais princípios, já que o mesmo, como ensina Cândido Rangel Dinamarco , é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. O acesso à Justiça é o princípio primeiro que abarca todos os demais princípios do processo.


Sob outro prisma, o acesso à justiça é um dos valores fundamentais da própria democracia, podendo ser encarado como o mais básico dos direitos humanos, inserto em um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos .


Na condição de direito fundamental o acesso à Justiça deve ter aplicabilidade imediata e a intangibilidade de cláusula pétrea, retirada, pois, da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos.


Entrementes, o problema fundamental em relação ao acesso à justiça não é o de justificá-lo, mas o de protegê-lo. Não é o problema de buscar-lhe um fundamento, mas de arranjar-lhe garantias. O que pretendemos aqui não é não é saber aspectos da legitimidade do acesso à justiça, mas, sobretudo, quais são os meios de garanti-lo, de impedir que, apesar do embasamento jurídico que possui, ele não seja continuamente violado.
Não se pode fugir ao fato da necessidade de o acesso à justiça ter um fundamento. O fato de ter fundamento é o que leva o mesmo a ser respeitado. A discussão a respeito do fundamento está de certa forma superada, já que a solução atual deste ponto passa pela aprovação da Declaração dos Direitos do Homem, em 10.12.1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas e pela Constituição Federal de 1988. O escopo maior por ora é achar meios de superação da crise que se relaciona com o acesso do pobre à justiça.

2.2. Releitura do conceito de acesso à justiça
No que tange à conceituação, Mauro Cappelletti, na obra que escreveu com Bryant Garth intitulada Acesso à Justiça , conceituou o referido fenômeno como o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação.


Entrementes, o acesso à justiça não pode ser vislumbrado na atualidade apenas como o direito do cidadão de ir a um tribunal, ou seja, de propor uma ação em Juízo. O acesso à Justiça deve abranger o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano, ou seja, acesso a uma ordem jurídica justa, como bem frisou Kazuo Watanabe , citado por Ada Pellegrini Grinover.
A nosso ver, uma ordem jurídica justa pode ser alcançada sob o tripé: a) possibilidade de ingresso com ação em juízo; b) possibilidade de manter o trâmite da ação até a efetiva entrega da prestação jurisdicional; e, c) possibilidade de obtenção de resposta do Poder Judiciário em prazo razoável. E esses três pressupostos podem ser viabilizados a partir da busca da qualidade total no serviço prestado pelo Judiciário. Vejamos individualmente cada uma delas.


2.2.1 Propositura da ação junto ao Poder Judiciário


Para que surja a necessidade de se buscar proteção do Judiciário é preciso que primeiro haja uma pretensão resistida. A partir daí faz-se mister, em regra, a presença de um advogado como ponte de ligação entre o indivíduo e o processo, uma vez que este é meio obrigatório para a proteção e a realização do direito violado ou ameaçado de violação.


É cediço, entretanto, que muitos não têm condições de arcar com honorários de advogado e custas processuais, o que limita o acesso do pobre à Justiça. Com intuito de sanar o obstáculo econômico ao processo foi criada a Lei nº. 1.060/50 que faz jus ao que determina o texto constitucional no art. LXXIV que dispõe: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".


O mencionado Diploma Legal, fez com que as custas processuais deixassem de ser obstáculo à Justiça, já que em seu art. 4º, caput, assevera que: "A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família".
Mas, pode-se de logo concluir que a legislação em vigor não é suficiente para combater a limitação sofrida por aquele que precisa ir aos átrios do Poder Judiciário. A uma, porque a representatividade do jurisdicionado pobre em Juízo não é satisfatória, mormente porque o número de demandas judiciais é muito maior do que o número de Defensores Públicos. Sobre o tema, Luciana Camponez Pereira Moralles assevera que:


Em relação à Defensoria Pública e à Procuradoria do Estado, a situação também exige grande atenção, pois, assim como em outros órgãos do Estado, há um número insuficiente de pessoal para prestar tal serviço, ocasionando um acúmulo de trabalho, bem como a insuficiência de material e o desaparelhamento do órgão, o que acarreta também um serviço sem identificação pessoal com a parcela economicamente desfavorecida da sociedade .


A duas, por que, a pobreza traz em si outros obstáculos, como a distância material entre aquele que tem uma pretensão resistida e os fóruns. De quê adianta ter um Defensor Público para acompanhar sua demanda, se o jurisdicionado não tem dinheiro para pagar transporte para ir às audiências no Fórum?.


Contudo, problemas como estes podem ser resolvidos, com criatividade, aliada à gestão pela qualidade total no Judiciário. O Poder Judiciário não precisa ficar estático, ele pode ir até o povo. Podemos citar exemplos de práticas bem sucedidas, nesse sentido, como: a) utilização de ônibus aparelhados que vão ao encontro das populações que moram distante dos fóruns; e, b) juízes que se deslocam semanalmente aos termos das Comarcas para fazer audiências, utilizando-se de salas de aula, com vistas a estar mais perto dos jurisdicionados.

Aqui também entra a questão do obstáculo cultural consubstanciado no desconhecimento dos direitos por parte das classes menos favorecidas. Ora, como pode o leigo cultural ter acesso à Justiça se nem sequer conhece seus direitos?. Tal questão também encontra solução na seara da gestão, por que esta abre leque para os próprios membros do Poder Judiciário fazerem campanhas de conscientização da população, semeando cidadania .


2.2.2 Manutenção da ação em Juízo


O fenômeno do acesso à Justiça abarca também o direito de o jurisdicionado manter-se em Juízo e ver sua causa chegar ao final, ou seja, receber do Poder Judiciário uma resposta de mérito em prazo razoável. Não basta que o Defensor Público apenas ingresse com ação em Juízo. É preciso que vá além e acompanhe a parte também no curso do processo, com escopo de evitar, sobretudo, que a causa seja extinta sem julgamento de mérito. Certamente quando a parte ingressa com ação em juízo, ela quer saber se tem ou não razão em sua pretensão e, isso só ocorrerá se a demanda não for paralisada no meio de seu curso.
Também nesse tópico encontramos soluções se as buscarmos na gestão pela qualidade total, permitindo, por exemplo, que a parte interessada dirija-se pessoalmente em Cartório e preste informação perante servidor habilitado a reduzir a informação prestada a termo nos autos do processo pertinente.


2.2.3 Resposta em prazo razoável


O acesso à justiça se completa quando o jurisdicionado que ingressou com ação em Juízo e conseguiu mantê-la até o final recebe uma resposta de mérito do Poder Judiciário. Resposta essa que deve ser dada dentro de um prazo razoável, sob pena de a Justiça se tornar inacessível, como bem reconhece a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais que em seu artigo 6º, parágrafo 1º explicita que, a Justiça que não cumpre suas funções dentro de "um prazo razoável" é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível.


Indubitável a dificuldade de conceituar o que seja prazo razoável. Não se resolveria o problema determinando o número de dias (o tempo) em que deve o juiz entregar a prestação jurisdicional no processo. Mormente, por causa dos acontecimentos irradiados no processo, mesmo por que prazos já existem na lei processual civil, mas não são cumpridos devido aos problemas de ordem interna e externa que rodeiam cada unidade judiciária. Entretanto, o problema maior não é o de achar um conceito para o que seja "prazo razoável", mas fazer com que a prestação jurisdicional seja entregue com celeridade e que os problemas de ordem interna e externa que rodeiam a unidade judiciária deixem de ser desculpa para a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.


2.3 Ondas renovatórias de Cappelleti e Garth


Mauro Cappelletti e Garth lançaram no mundo jurídico, em meados do século XX, o que eles intitularam de ondas renovatórias do Processo Civil. Tais ondas divididas em três fases mantiveram influência sobre a processualística pátria, mormente na atividade legiferante tendo surgido leis como a da assistência judiciária, a da Ação Civil Público e o Código de Defesa do Consumidor que contribuíram e contribuem, sobremaneira, para o acesso à justiça.


A primeira onda chama a atenção para a necessidade de assistência judiciária para que os pobres possam litigar em Juízo em igualdade de condições com os economicamente fortes. Há uma busca pela eliminação da pobreza como obstáculo de acesso à justiça através da chamada assistência judiciária gratuita aos necessitados, que se caracteriza pela prestação gratuita de serviços advocatícios e isenção no pagamento de despesas judiciais.


A segunda onda diz respeito à facilitação da representação dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em Juízo, já que estes não se subsumiam ao direito processual clássico. Essa onda surgiu em um cenário de mudanças, junto com as quais também surgiram novos sujeitos sociais, novas demandas e novos direitos a serem tutelados pela ordem jurídica. Teve um papel importante em nosso sistema processual, porque as regras processuais não estavam preparadas para facilitar as demandas coletivas e a influência desta onda fez surgir, no Brasil leis como o da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor que levam em conta as características do direito postulado, gerando de fato uma tutela jurisdicional efetiva.


A terceira onda é a do acesso à justiça propriamente dita. Uma onda genérica que abarca diversas soluções na tentativa de atacar as barreiras ao acesso à justiça. Segundo lição de José Mário Wanderley Gomes Neto "o obstáculo do momento é o próprio processo, a estrutura do sistema processual encontrado em cada ordenamento em seus pontos de incompatibilidade com a efetivação dos novos direitos" .


Na concepção dos doutrinadores prefalados, as ondas renovatórias resolveriam problemas, como: a) alto custo para se propor uma demanda e mantê-la em juízo, principalmente considerando o princípio da sucumbência adotado pelo CPC e a necessidade de pagar honorários do próprio advogado; b) a falta de recursos financeiros para a parte pobre propor ou defender demandas; c) o desconhecimento por partes das pessoas a respeito de seus direitos; e, d) a dificuldade de representação quando o assunto eram os interesses difusos dos indivíduos, mormente no que tange à reunião dessas pessoas. Sobre este ponto eles afirmam que: "As várias partes interessadas, mesmo quando lhes seja possível organizar-se e demandas, podem estar dispersas, carecer da necessária informação ou simplesmente ser incapazes de combinar uma estratégia comum" .


Indubitável que as ondas renovatórias tiveram importante papel na resolução de várias questões relacionadas com à facilitação do acesso à Justiça.


3 GESTÃO JUDICIÁRIA


3.1 Breves considerações


É certa a afirmação de que, as soluções existentes para os problemas do Judiciário passam necessariamente pela vontade de terceiros, que, na maioria das vezes têm interesses diversos dos interesses daqueles que precisam resolver uma lide.


Propomos no presente trabalho que o juiz use suas armas para enfrentar os obstáculos ao acesso à Justiça, sem contar com a atuação e ajuda de fatores externos. Referimo-nos a não espera pelas modificações na esfera legiferante ou na esfera administrativa dos Tribunais. Estas, em regra, chegam a destempo e o acesso à justiça é caso de urgência. Não pode esperar. Para descobrir as armas que possui e que podem ser usadas sem se ferir a imparcialidade, o juiz pode se valer de institutos advindos da ciência da Administração, entre eles o fenômeno da gestão pela qualidade total no serviço prestado. Só assim, surgirá para o juiz idéias criativas para administrar a unidade judiciária, na busca de uma prestação jurisdicional célere.


É indubitável que o Judiciário precisa de reformas processuais, que diminuam a burocracia existente nas leis e de reformas estruturais que melhorem a organização judiciária e aumente o número de juízes, insuficiente para julgar tantas causas. A esse respeito vale transcrever comentário de José Henrique Guaracy Rebelo , in verbis:


Nenhuma serventia resultará de reforma processual alguma, por mais brilhante tecnicamente que seja, por mais astutos, preparados e dignos seus idealizadores e coordenadores, se o sistema brasileiro continuar admitindo que um juiz tenha sob sua responsabilidade uma média de feitos em muito superior ao milhar; ou que o Poder Judiciário sobreviva com um número mínimo de tribunais, muitas vezes situados a milhares de quilômetros de distância dos jurisdicionados, constituídos por um número mais reduzido ainda de juízes (...).


Mas, isso não pode ser usado como desculpa para entrega ineficaz e ineficiente da prestação jurisdicional. O juiz pode, a despeito de suas limitações pessoais, dos defeitos de estrutura, da má produção da lei processual, tornar a justiça mais eficiente, desde, entretanto, que ele se livre da roupagem arcaica acaso existente e, tenha em si a vontade de mudar o presente status quo atuando dentro de suas limitações, no espaço que o sistema lhe reservou para atuar.


3.2 Mudança de paradigma: juiz-juiz x juiz-gestor


Urge que se supere a "visão tradicional" da magistratura, forçando o juiz a repensar sobre o seu papel dentro da nova sociedade contemporânea. Como bem afirmou Vicente de Paula Ataíde Junior:


Quando se reflete sobre a necessidade de um novo juiz, é porque se tem em conta que o juiz de hoje não mais pode estar identificado como o juiz de ontem, ou seja, diante de uma nova sociedade, com inéditas demandas e necessidades, o novo juiz é aquele que está em sintonia com a nova conformação social e preparado para responder, com eficiência e criatividade, às expectativas da sociedade moderna, tendo em consideração as promessas do direito emergente e as exigências de uma administração judiciária compromissada com a qualidade total. Esse juiz que é impactado pelas profundas deficiências da prestação de serviços estatais, os quais não conseguem fazer frente às necessidades sociais básicas. Assim, o novo juiz, a par de sua formação técnico jurídica, desfruta de uma formação interdisciplinar que lhe permite ir além, conhecendo da realidade social, econômica e mesmo psicológica envolvida na lide em julgamento. Portanto, a interdisciplinaridade é característica marcante do novo juiz .


Essa mudança de mentalidade dar-se-ia através da substituição "do estar adstrito ao processo" pela busca da excelência nos serviços prestados pelo Poder Judiciário. O juiz seria não somente o juiz, mas o juiz-gestor, com visão além do processo. Isso viria com a consciência de que o juiz não pode ficar adstrito às paredes de seu gabinete, apenas sentenciando e despachando processos e, achar que com isso cumpriu seus mister. Cada juiz, mesmo sem função administrativa e, sem comprometer sua imparcialidade deve ter compromisso com a racionalização dos serviços judiciários, com o atendimento ao público e aos advogados, com o estreitamente comunicativo com os demais órgãos públicos, entidades de classe e com outras esferas da sociedade civil organizada. Nem deve se furtar de sua responsabilidade social.


A interdisciplinariedade seria fator marcante na otimização dos serviços prestados pelo Judiciário, na medida em que a impositiva aliança entre o Direito e a ciência da Administração, poderia emprestar valioso subsídio à revisão e à modernização dos métodos de gerenciamento do serviço judiciário, nem sempre aptos à entrega dos resultados práticos exigíveis pelos jurisdicionados. Por meio da ciência da Administração podemos aprender como fazer as coisas por meio de pessoas de maneira eficiente e eficaz.


Falamos de um gerenciamento que não precisa necessariamente vir da Cúpula, mas que pode ser iniciado pelo próprio juiz "a quo", dentro do espaço que lhe cabe atuar. Não queremos aqui transformar o Poder Judiciário em uma grande empresa, mas adotar as experiências positivas que a atividade empresarial pode fornecer para ampliar a qualidade dos serviços prestados pelo poder.


3.3 Conceito de gestão judiciária


Gestão Judiciária é um conjunto de tarefas que procuram garantir a afetação eficaz de todos os recursos disponibilizados pelo Poder Judiciário com escopo de se alcançar uma entrega da prestação jurisdicional excelente. A gestão otimiza o funcionamento da unidade judiciária através da tomada de decisões racionais fundamentadas pelo gestor como forma de caminhar para o desenvolvimento e satisfação das necessidades dos jurisdicionados.


Nesse diapasão, gestor judiciário é, ab initio, o juiz, a quem compete colocar em prática o objetivo maior do Poder Judiciário que é a entrega da prestação jurisdicional. O cumprimento do mister dar-se-ia através de planos estratégicos e operacionais mais eficazes para atingir os objetivos propostos; através da concepção de estruturas e estabelecimento de regras, políticas e procedimentais mais adequadas aos planos desenvolvidos; implementação, coordenação e execução dos planos através de um determinado tipo de comando e de controle.


Como bem afirmou Sidnei Agostinho Beneti:


O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha deprodução e o produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e a execução. Como profissional de produção, é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e de dirigir o processo - que implica orientação ao cartório. (...) Como um gerente, o juiz tem seus instrumentos, assim como um fabricante os seus recursos. São o pessoal do cartório, as máquinas de que dispóe, os impressos. É o lugar em que trabalha; são os carimbos, as cadeiras, o espaço da sala de audiências e de seu gabinete; são a própria caneta, a máquina de escrever, o fluxo de organização dos servço e algumas coisas imateriais .


Essa gestão tem quer ser voltada para a qualidade total, o que pode ser alcançado a partir do envolvimento de todas as pessoas ligadas ao processo produtivo visando à excelência no serviço prestado pelo Poder Judiciário.


4 CONCLUSÃO


O acesso à justiça não pode mais ser vislumbrado como o direito formal do indivíduo de propor ou contestar uma ação. Tal conceito resta superado e o que o jurisdicionado busca hoje é uma ordem jurídica justa. Uma ordem que pode ser alcançada a partir da concomitância de três requisitos: possibilidade de propositura de ação em juízo, possibilidade de manter a demanda até a efetiva entrega da prestação jurisdicional e, por fim, possibilidade de receber resposta de mérito em prazo razoável do Poder Judiciário.


Seguindo raciocínio lógico, temos que o tripé mencionado é alcançado a partir da interdisciplinaridade e da gestão judiciária na busca pela qualidade total. Só assim é possível ao Judiciário alcançar a celeridade processual, sem que precise haver a interferência de fatores externos. A gestão é apta a transformar o juiz-juiz em juiz-gestor, o que fará com que o Judiciário passe ousar e centrar-se em tudo aquilo que pode fazer por iniciativa de seus integrantes. Algo que pode ocorrer se se trocar formalidade por criatividade e dificuldade por capacidade de iniciativa.


Em síntese, a mudança de mentalidade com conseqüente ação no sentido de modificar a realidade existente foi alcançada a partir de conceitos de gestão pela qualidade total no Judiciário, advindos da ciência da administração. O Judiciário deve caminhar para a aceitação de que a interdisciplinaridade e a gestão jurisdicional são medidas indispensáveis ao acesso à justiça e a celeridade na prestação jurisdicional.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Autor:   Higyna Josita Simões de Almeida Bezerra

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