05/03/2009
MITIGAÇÃO DE FORMALIDADES COMO PARADIGMA PARA UM FAST PROCESS

Introdução


Vivemos a era da crise do processo civil, consubstanciada no fato de o processo não conseguir cumprir a missão que lhe é atribuída de ser instrumento de acesso à justiça e meio efetivo de entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável. A Emenda Constitucional nº. 45/2004 não trouxe a esperada reforma estrutural necessária à transformação do Judiciário em serviço público célere, eficiente e efetivo pelo qual clama a sociedade.


Entre os responsáveis pela crise do processo civil, destaca-se o legislador, por não conseguir reduzir a burocracia existente no rito processual. Todavia, não podemos nos conformar com essa problemática que assola a processualística da atualidade. Não devemos esperar que forças externas ao Judiciário se movam para solucionar seus problemas crônicos.


É possível vencermos os desafios a partir de uma mudança de mentalidade que nos conduza a trabalhar com as armas de que dispomos: capacidade de iniciativa, criatividade e vontade de aperfeiçoar a prestação jurisdicional. Os membros do Poder Judiciário precisam crer que laboram para os jurisdicionados e que devem ser diligentes na resolução dos conflitos surgidos na vida da sociedade. Na esteira dessa linha de raciocínio, passou-se a reduzir formalidades não-essenciais ao processo na 2ª Vara da Comarca de Monteiro/PB. O objetivo da medida foi facilitar o acesso à justiça e dar uma resposta rápida às partes, o que resultou na maior celeridade processual.


A iniciativa de implementação do projeto, intitulado "mitigação de formalidades como paradigma para um fast process", surgiu da necessidade de superar três problemas existentes na unidade jurisdicional: falta de defensor público na Comarca; falta de promotor titular na Vara; presença de apenas um juiz para trabalhar com 1.500 feitos.


Os problemas citados dificultam o acesso das pessoas de baixa renda ao Poder Judiciário e acabam por interferir na celeridade processual. Ora, como bater às portas do Judiciário, senão por intermédio de defensor público, quando não se dispõe de condições financeiras para pagar um advogado? Como ter uma resposta célere do Judiciário, se existe demora considerável entre idas e vindas dos processos ao promotor? Como dar uma resposta às partes em tempo razoável, se existe sobrecarga de trabalho para o juiz que não conta sequer com um assessor? Diante deste quadro, urgia que se implementassem mudanças na unidade jurisdicional, capazes de anular ou, pelo menos, mitigar os efeitos do excesso de formalidades na tramitação dos processos.


As ações efetivadas na Vara foram: a) permissão para se reduzir a termo as informações relevantes ao processo prestadas pelas partes; b) determinação para, em certas situações, o próprio oficial de justiça solicitar à parte respostas às perguntas importantes ao deslinde do feito; c) abertura de vista dos autos ao representante do Ministério Público apenas quando a medida for estritamente necessária; d) padronização da folha de despacho para o magistrado.


A seguir, será analisada cada uma das ações implementadas.


1. Redução a termo das informações prestadas pelas partes


A prática foi adotada com o escopo de suprir a falta de defensor público na Comarca, considerando-se, sobretudo, a baixa renda da maioria dos jurisdicionados. Buscou-se uma solução para a seguinte questão: Como viabilizar a comunicação da parte com o juiz, mantendo o curso do feito , diante do fato de não poder ela pagar honorários a um advogado e da falta de defensor público na Comarca? A solução veio, tendo em vista a possibilidade de qualquer das partes vir pessoalmente a juízo e informar, perante um servidor do cartório, fato importante para o deslinde do feito. A informação é reduzida a termo pelo servidor e assinada pela parte informante.


A referida ação pode ser aplicada em qualquer fase processual, desde que uma das partes seja instada a responder questionamento do juízo. Frise-se que esse procedimento não encontra vedação legal, já que, ao responder pergunta do juízo a parte não está postulando sem representação legal, mas tão-somente prestando uma informação solicitada pelo próprio magistrado. Ressalte-se que, in casu, não se está aplicando a permissão contida no art. 36 do CPC, no sentido de que a parte pode, em alguns casos, postular em causa própria. Aqui a parte não vem pedir, mas ajudar o Estado a cumprir o seu mister jurisdicional. A vinda da parte a juízo prestar uma informação solicitada pelo magistrado é ato processual não-postulatório, visto que tem por objetivos a conservação ou o desenvolvimento da relação processual.


Ademais, o CPC consagra o princípio da instrumentalidade das formas. Portanto, o modo pelo qual o ato processual se perfaz é mero meio para se atingir uma finalidade. Esta, uma vez atingida, será válida, mesmo que não se tenha obedecido ao padrão prescrito em lei. Assim, ainda que se alegasse a nulidade do ato processual, dificilmente seria o mesmo nulificado, ante a impossibilidade de causar prejuízo à parte contrária. A adoção da medida trouxe três benefícios imediatos para a unidade judiciária: a) economia de tempo no processo; b) redução do número de processos extintos por inércia da parte (art. 267, inc. I, e § 1º do CPC); c) facilitação do acesso do jurisdicionado pobre à Justiça.


2. Possibilidade de o próprio oficial de justiça solicitar à parte respostas as perguntas importantes para o deslinde do feito


Essa medida surgiu da necessidade de evitar paralisação dos feitos por inércia da parte autora, gerando mais trabalho para o juiz e para o cartório, provocado pela exaustiva repetição do ato de intimação para que o autor ou seu advogado dessem andamento ao feito. Com a medida, buscou-se dar resposta às seguintes indagações: Como evitar a extinção prematura do feito por culpa da parte, quando esta, instada a prestar informação imprescindível ao deslinde da causa, permanece inerte? Como impedir a renovação de intimações à parte e ao seu advogado, evitando mais trabalho para o cartório e para o juiz?


A solução para a problemática surgiu com a possibilidade de o oficial de justiça, cumprindo despacho do juiz, deslocar-se até o endereço da parte e colher respostas às perguntas formuladas pelo juiz , certificando, ao final, o resultado no mandado. Essa providência é muito produtiva, haja vista o aproveitamento da força de trabalho dos oficiais de justiça. Há ainda a vantagem de lidarem pessoalmente com as partes do processo. Assim, se por um lado se assegura o grau de facilidade da medida para quem a executa, por outro destaca-se sua grande importância para um trâmite processual célere.


A medida encontra amparo legal no art. 143, inc. II, do CPC, ao dispor que incumbe ao oficial de justiça executar as ordens do juiz a que estiver subordinado. Portanto, a aplicação da medida não encontra óbice legal. Os resultados são muito satisfatórios, pelas seguintes razões: encurta-se o tempo de duração do processo; evita-se retrabalho para o cartório e o juiz; impede-se que haja extinção prematura do processo sem que se dê a resposta devida ao pleito do jurisdicionado.


3. Abertura de vista dos autos ao Ministério Público apenas quando a medida for estritamente necessária


Como é cediço, a lei não estipula o número de vezes em que o Ministério Público precisa atuar nos feitos a que se refere o art. 82 do CPC. O legislador limitou-se a afirmar no art. 83 do referido Diploma que, intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo. À primeira vista, a interpretação do dispositivo legal em comento dar a entender que em ações de alimentos, investigação, interdição, separação e divórcio, entre outras, o primeiro despacho do juiz seria no sentido da abertura de vista dos autos ao representante do Parquet para manifestação, em obediência ao dispositivo mencionado. Sugere também que esse ato se repetiria a cada petição de qualquer das partes no processo. Ainda de acordo com o artigo em questão, também haveria necessidade de se intimar o promotor de todos os atos processuais.


Esta interpretação, entretanto, não se coaduna com a celeridade processual pela qual clama a sociedade. O STJ já decidiu que, também com relação à intervenção ministerial, aplica-se o princípio da instrumentalidade das formas. Desse modo, há necessidade de demonstração de prejuízo para que o ato seja nulificado . Essa decisão dá respaldo à aplicação da medida em análise. Pergunta-se: Qual a necessidade de abertura de vista de autos ao Parquet em ações de divórcio consensual antes do parecer conclusivo, se o juiz conhece todas as fases necessárias ao deslinde da ação? Qual o sentido de abrir vista dos autos ao MP para que ele requeira ao juiz a designação de audiência, quando a lei já é clara nesse sentido?


Nas questões apontadas, entende-se que é perfeitamente viável que a suscitação de nulidade acaso existente ou o requerimento de diligência seja feito pelo MP na oportunidade do parecer conclusivo. Certamente, haverá tempo para corrigir as falhas, acaso existentes no processo, antes da prolação de sentença. Com isso, não se quer reduzir as atribuições conferidas constitucionalmente ao Ministério Público. Busca-se apenas evitar atos inúteis ao processo que só contribuem para a morosidade da prestação jurisdicional.


4. Padronização da folha de despacho para o magistrado


Essa medida consiste no uso de folha única padronizada com vários despachos numerados. Esses despachos podem ser usados em muitos tipos de processos, cabendo ao juiz apenas circular o número do despacho compatível com a situação. Com a implantação da folha padronizada de despacho, a atividade do magistrado torna-se mais simples e mais rápida. Há, em conseqüência, aumento considerável da produtividade e mais tempo para o magistrado despachar os processos mais complexos. Tal prática também evita retrabalho para o cartório que acaba por se familiarizar com os despachos idênticos para os casos semelhantes. Ademais, os servidores habituam-se com as fases processuais, de modo que, depois de certo tempo, tomam, por iniciativa própria, a providência que seria determinada pelo juiz, sem a necessidade de despacho .


Considerações finais


A redução de formalidades, com as medidas implementadas, resultou em diversos benefícios para a unidade jurisdicional, bem como para as partes, destacando-se as seguintes: a) encurtamento da tramitação do processo, a partir da mitigação de formalidades na prática de atos processuais, comprovado pelo aumento do número de processos sentenciados e arquivados; b) facilitação do acesso da parte ao processo, tendo em vista que passou a interferir, de forma direta, na celeridade da prestação jurisdicional, especialmente pelas informações prestadas; c) aumento da produtividade do magistrado, a partir da implantação da folha personalizada de despacho, o que contribuiu, sobremaneira, para a diminuição do retrabalho do cartório e para o aumento do número de sentenças prolatadas; d) maior e melhor aproveitamento da capacidade de trabalho dos oficiais de justiça, considerando o contato direto que mantêm com as partes do processo.


O acesso à justiça não pode mais ser vislumbrado como o direito formal do indivíduo de propor ou contestar uma ação. É preciso avançar na idéia de que o efetivo acesso à justiça é alcançado quando a parte, uma vez em juízo, recebe resposta célere ao direito que pleiteia. Alcançar a celeridade processual é algo possível ao Judiciário, sem que precise haver a interferência de fatores externos. Essa meta pode ser atingida se o Judiciário ousar e centrar-se em tudo aquilo que pode fazer por iniciativa de seus integrantes. Algo que pode ocorrer se se trocar formalidade por criatividade e dificuldade por capacidade de iniciativa.


Os resultados alcançados na 2ª Vara da Comarca de Monteiro/PB confirmam estas assertivas. Aproveitar-se das múltiplas possibilidades de interpretação do CPC foi suficiente para mitigar formalidades despiciendas.


Em síntese, a mudança de mentalidade com conseqüente ação no sentido de modificar a realidade existente foi alcançada a partir de conceitos de gestão pela qualidade total no Judiciário, advindos da ciência da administração. O Judiciário deve caminhar para a aceitação de que a interdisciplinaridade e a gestão jurisdicional são medidas indispensáveis ao acesso à justiça e a celeridade na prestação jurisdicional.



ANEXO

Modelo de folha de despacho


DESPACHO
Vistos, etc.

1. Defiro o pedido de justiça gratuita. Vista ao Ministério Público.

2. Designo audiência de instrução para o dia .../.../..., às.... horas, neste Fórum. Intime-se a parte autora, cientificando-lhe que deve trazer as testemunhas para comprovar os fatos descritos na inicial, independentemente de intimação. Diligências necessárias.

3. Oficie-se ao cartório competente, indagando a respeito da existência de certidão de nascimento em nome da parte autora.

4. O(a) autor(a) é parte legítima para figurar no pólo ativo da lide. Designo audiência para o dia _/_/_, às _____ horas, neste Fórum, para o interrogatório do(a) interditando(a), nos termos do art. 1.181 do CPC.

5. Oficie-se à Secretaria Municipal de Saúde, solicitando designação de médico habilitado, bem como dia e hora para realização de exame de sanidade mental no interditando, devendo informar com antecedência a este juízo.

6. Intime-se a parte autora pessoalmente, para informar ao oficial de justiça se o exame pertinente chegou a ser realizado. Em caso afirmativo, aguarde-se envio do resultado pelo prazo de 30 dias.

7. Intimem-se as partes, através de seus advogados habilitados, para se manifestarem, no prazo de 10 dias, sobre o laudo de exame de DNA.

8. Solicite-se nova data para realização do exame pertinente ao caso. Após a resposta, intimem-se as partes para comparecimento ao local designado para o exame.

9. Designo audiência de tentativa de conciliação para o dia _/_/_, às ____ horas, neste Fórum. Intimações necessárias.

10. Recebo a inicial e defiro o pedido de justiça gratuita. Cite-se a parte ré para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal.

11. Trata-se de ação de divórcio por conversão, prevista no art. 1.580 do Código Civil. Recebo a inicial. Defiro o pedido de justiça gratuita. Apense-se aos autos de separação pertinente. Após, abra-se vista ao MP.

12. Trata-se de ação de divórcio direto consensual que segue o rito descrito nos arts. 1.120 a 1.124 do CPC. Defiro o pedido de justiça gratuita. Designo audiência de tentativa de reconciliação para o dia ....../....../...., às ...horas, nesse Fórum, considerando a urgência que o caso requer. Caso não haja reconciliação do casal, passar-se-á à colheita da prova referente ao lapso temporal. Intimem-se as partes, cientificando-lhes que devem trazer as testemunhas arroladas na inicial, independentemente de intimação. Demais diligências.

13. Trata-se de ação de divórcio direto litigioso, regida pelo procedimento ordinário, a teor do art. 40, § 3º, da Lei n. 6.515/77. Defiro o pedido de justiça gratuita. Cite-se, na forma requerida, a parte ré para contestar a ação no prazo legal.

14. Considerando que, apesar de citada, a parte promovida não apresentou defesa, decreto a revelia do pólo passivo da demanda, desconsiderando, entretanto, os seus efeitos por estar-se diante de direito indisponível. Nos termos do art. 9º, inc. II, do CPC, nomeio curador(a) especial na pessoa do(a) Dr(a)...................., que deve apresentar defesa em prol da parte ré, no prazo legal. Intimações necessárias.

15. Trata-se de ação de separação consensual, regida pelo art. 1574 do Código Civil. Nos termos do art. 1.122 do CPC, designo audiência para o dia ___/__/___ às ___ horas, neste Fórum, com objetivo de ouvir as partes do processo. Diligências necessárias.

16. Apensem-se estes autos ao feito principal.

17. Intime-se a parte autora, para comparecer em cartório e informar, em 10 dias, se houve quitação do débito.

18. Intime-se a parte autora pessoalmente, para informar o endereço correto do réu, em 10 dias.

19. Defiro o pedido de justiça gratuita. Cite-se a parte ré para, querendo, contestar a ação no prazo legal (art. 285 do CPC).


Monteiro/PB, ..../....../2007.


Higyna Josita S. de Almeida Bezerra
Juíza de Direito

Autor:   Higyna Josita S. de Almeida Bezerra

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