14/11/2008
O novo instituto do cumprimento da sentença

O Código de Processo Civil vem sendo objeto de reformas pontuais nos últimos anos. Só entre 2005 e 2006, foram sancionadas cinco leis[1] que alteraram significativamente o processo civil. A Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que trata do cumprimento de sentença, representa um grande avanço no sistema processual civil, à medida que modifica a execução da sentença condenatória, considerada um dos entraves para a consecução plena da prestação jurisdicional.

 

Com a edição da referenciada lei, o processo civil passou a ser sincrético, pois já não se encerra mais com a sentença, mas com a satisfação do titular do direito.

                      

Doravante, a tutela executiva realizar-se-á de forma seqüenciada, sem intervalo, no próprio processo de conhecimento, tal como ocorre no procedimento do Juizado Especial Cível. Em regra, não há a necessidade de uma nova citação, muito embora fique a depender de provocação do credor, consoante estabelece o art. 475-J, caput, do CPC.

O importante disso tudo é que o demandado não será chamado a se defender novamente, tendo em vista que já houve citação no início do processo. Daí porque não se fala mais em processo de execução, mas em fase executiva. A sentença, por isso, passa a ter uma nova definição. Não é mais o pronunciamento do juiz que põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa, já que o processo prosseguirá com a fase de cumprimento do julgado. Por igual motivo, já não vigora o texto segundo o qual, “ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional”[2].

 

Com o novo regramento, o devedor tem um prazo de quinze dias para cumprir espontaneamente a obrigação. A esse prazo, Athos Gusmão Carneiro denominou de “tempus iudicati”[3].

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento), nos termos do art. 475-J do CPC.

Por se tratar de norma cogente, a multa de dez por cento, prevista no texto legal, incide de modo automático, caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei. Trata-se, portanto, de medida executiva coercitiva (e não punitiva). Assim, segundo WAMBIER[4], nada impede a cumulação da multa do art. 475-J com a do art. 14, V e parágrafo único, do CPC, de natureza sancionatória.

É de se observar que a citação será necessária, quando se tratar de sentença penal condenatória (na maioria das vezes, ilíquida), sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – incisos II, IV e VI do art. 475-N, pois a citação do réu, no processo penal e no processo arbitral, não se estende à execução civil.

O pedido de execução deverá ser feito mediante simples requerimento, que deverá ser instruído com o demonstrativo do débito atualizado (art. 614, II), podendo o exeqüente indicar, desde logo (e é bom que o faça), os bens a serem penhorados (art. 475-J, § 3º), além de requerer a citação do executado, nas hipóteses dos incisos II, IV e VI do art. 475-N. Deferido o requerimento, o juiz determinará a expedição de mandado de penhora e avaliação, fixando, desde logo, os honorários de advogado.

Realizada a penhora, o devedor será intimado para oferecer impugnação no prazo de quinze dias, intimação esta que tem efeito de citação e deverá ser feita preferencialmente na pessoa do advogado (art. 475-J).

Observe-se que, muito embora se desenvolva por impulso oficial, a execução da sentença fica a depender de requerimento do credor. Penso que o legislador poderia ter ido mais além, a ponto de permitir que a execução pudesse ser processada de ofício, como acontece no processo trabalhista (CLT, art. 878). 

A Lei 11.232/2005 também trouxe mudanças no “processo” de liquidação. De acordo com a sistemática atual, a decisão que resolve o processo de liquidação de sentença tem natureza de sentença. Todavia, com a alteração da Lei 11.232/05, não haverá mais a instauração de um processo de conhecimento para fixação do valor da obrigação (quantum debeatur), ou seja, a liquidação vai passar a se desenvolver por uma simples fase processual, que se encerrará por decisão interlocutória, de modo que o recurso cabível contra essa decisão será o agravo na modalidade de instrumento e não mais apelação.

Não obstante, a decisão interlocutória que põe fim à fase liquidativa pode ser desconstituída através de ação rescisória, porquanto tal decisão, mesmo não sendo de mérito, faz coisa julgada material, vale dizer, não havendo interposição de recurso, opera-se a preclusão pro iudicato (com força de coisa julgada).

O novo sistema também aboliu o instituto da nomeação de bens pelo devedor, devendo a indicação dos bens a serem penhorados ser feita pelo exeqüente, ao  requerer o cumprimento da sentença, como, aliás, já vinha sendo feito na prática.

Interessante é que, a partir da Lei 11.232/05, o sistema processual civil brasileiro passou a conviver com duas formas de contraditório nas execuções por quantia certa, uma válida para títulos executivos judiciais e outra aplicável para títulos executivos extrajudiciais. Assim, tratando-se de execução fundada em título extrajudicial, a defesa será feita por via da ação de embargos do executado. Tratando-se de execução fundada em título judicial, o executado deverá valer-se da impugnação incidental.                        

Convém lembrar que não existe distinção entre título executivo judicial e título executivo extrajudicial, no que diz respeito à eficácia,  pois tanto um como outro é dotado de força executiva, ou seja, tem aptidão para autorizar o credor a promover a ação executiva.

O que distingue, fundamentalmente, um título executivo judicial de um título executivo extrajudicial é a carga de cognição. Nos títulos executivos judiciais, formados com a intervenção de órgão do Poder Judiciário – à exceção da sentença arbitral –, a atividade de identificação da norma concreta já foi objeto de cognição, enquanto que, nos títulos executivos extrajudiciais, o processo de cognição é instaurado posteriormente, já que o título é formado, segundo expressão utilizada por Alexandre F. Câmara[5], “fora do processo”. Há, portanto, uma inversão (parcial) da ordem da atividade jurisdicional, em que a cognição antecede a execução. Daí porque, em se tratando de título executivo extrajudicial, a defesa é ampla, ou seja, os embargos do devedor podem trazer a juízo tanto matéria posterior à formação do título, quanto matéria anterior a ela.

Algumas diferenças podem ser apontadas entre os embargos à execução e a impugnação trazida pela Lei 11.232/05. A primeira delas diz respeito ao prazo: o prazo para o oferecimento dos embargos do devedor continua sendo de dez dias, enquanto que o prazo para o oferecimento da impugnação é de quinze dias.

A principal diferença é que o recebimento dos embargos acarreta a suspensão total ou parcial da execução, enquanto que a impugnação, de acordo com o art. 475-M, não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito, desde que sejam relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação. Nos embargos, a suspensão da execução decorre da lei (ope legis). No caso da impugnação, a suspensão total ou parcial da execução passa a ser ope iudicis, ou seja, depende de pronunciamento do juiz.

Outra diferença que se pode apontar é que os embargos à execução correm em autos apartados, enquanto que a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos, se houver sido conferido efeito suspensivo ao incidente.

A decisão que resolver a impugnação, por sua vez, é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução (art. 475-M, § 3º), enquanto que a decisão que julgar os embargos ou rejeitá-los liminarmente é impugnável mediante recurso de apelação.

Com a criação do instituto da impugnação, é de se indagar se o devedor ainda poderá valer-se da exceção de pré-executividade como instrumento de defesa.

À primeira vista, pode-se imaginar que a exceção de pré-executividade não será mais cabível com a entrada em vigor da Lei 11.232/05. 

Contudo, o fato do devedor poder opor-se na execução por meio de impugnação ao cumprimento de sentença não significa que não possa valer-se de outros meios de defesa, quando isso se fizer necessário, como, por exemplo, quando o juízo for absolutamente incompetente para processar o cumprimento de sentença, hipótese em que o devedor poderá ingressar com objeção de pré-executividade, por se tratar de matéria de ordem pública, a qual pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição. Aliás, como bem enfatiza NELSON NERY JÚNIOR, em seu Código de Processo Civil comentado[6], a objeção de pré-executividade é o primeiro meio de defesa de que dispõe o devedor na execução.

Ressalte-se que, mesmo já tendo sido oposta impugnação ao cumprimento de sentença, o devedor poderá opor objeção de pré-executividade, alegando matéria de ordem pública. Portanto, muito embora a exceção de pré-executividade não seja mais necessária em algumas situações, como nas hipóteses dos incisos IV e VI do art. 475-L, continuará sendo cabível nos casos em que o juiz puder conhecer a matéria de oficio. 

Em relação aos feitos fazendários, é relevante observar que a execução contra a Fazenda Pública continuará a ser feita por processo autônomo, haja vista que a execução (por quantia certa) contra a Fazenda Pública, quer se funde em título judicial, quer em título extrajudicial, está sujeita ao regime especial previsto nos artigos 730 e 731 do CPC, que não foram revogados pela Lei 11.232/05. Ademais, a redação do art. 741, trazida pela Lei 11.232/05, prevê a possibilidade de oferecimento de embargos pela Fazenda, o que não ocorre na execução sujeita ao regime comum, em que toda e qualquer objeção do réu deverá ser veiculada mediante mero incidente de impugnação, nos próprios autos do processo. Ademais, prevendo a lei a possibilidade de oferecimento de embargos pela Fazenda, significa dizer que a Fazenda deverá ser citada para opor embargos, havendo, portanto, a formação de uma nova relação processual.

Athos Gusmão Carneiro entende que a nova lei é compatível com as prerrogativas da Fazenda Pública, de modo que a Fazenda terá um prazo de trinta dias para o cumprimento da sentença condenatória (prazo em dobro), podendo o juiz, após esse prazo, determinar a expedição de precatório.

Na opinião de WAMBIER[7], “a manutenção do sistema tradicional para a execução contra a Fazenda Pública, com necessidade de nova citação para a execução e a possibilidade de apresentação de embargos à execução dotados de efeito suspensivo ope legis (cf. art. 739, § 1º, que estabelece que os embargos são sempre recebidos com efeito suspensivo), contribui para que esta modalidade de execução tenha duração extremamente excessiva, e não favorece a realização de um dos principais objetivos das reformas realizadas nos últimos tempos”.

A reforma realizada pela Lei 11.232/05, que entrou em vigor no dia 24.6.2006, foi muito bem recebida pela doutrina e, certamente, contribuirá para a aceleração do processo civil e a efetivação da sentença condenatória, permitindo que a prestação jurisdicional seja entregue de forma integral. Mas, as mudanças não se farão rapidamente. É preciso que haja também uma mudança de mentalidade dos operadores do Direito, em especial, dos magistrados, que deverão ter o cuidado de não utilizar os novos institutos como se fossem os revogados, afinal, “não se coloca vinho novo em odres velhos”.

 

* Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Campina Grande

 

 



[1] Lei 11.187/2005 (Recurso de Agravo); Lei 11.232/2005 (Execução); Lei 11.276/2006 (Súmula impeditiva de recursos); Lei 11.277/2006 (Ações Idênticas) e Lei 11.280/2006 (Alterações esparsas do CP).

[2] O texto revogado era do seguinte teor: “Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la:”.

[3] CARNEIRO, Athos Gusmão. Do ‘cumprimento da Sentença’ conforme a Lei 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não?.

[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues, Sentença civil: liquidação e cumprimento, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 422.

[5] CÂMARA, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil, vol. II, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

 

[6] Código de Processo Civil comentado, p. 643, nota 6ª ao art. 475-L.

[7] Op. cit. p. 442.

Autor:   Cláudio Antônio de Carvalho Xavier

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