14/11/2008
O sofisma dos 75 anos

A valorização do idoso é o principal argumento utilizado pelos interessados em elevar para 75 anos (atualmente são necessários 70 anos) a idade limite para aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal, demais Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União. Embora, naturalmente, o projeto disfarce a intenção, estendendo a prerrogativa para todos os servidores públicos.

Em outras palavras, a relevância do Projeto de Emenda Constitucional nº 457/05 - em tramitação no Congresso - estaria no fato de que, com o aumento da expectativa de vida da população brasileira, tornar-se-ia injustificável a dispensa precoce de talentos em plena vitalidade. Só que se misturam alhos com bugalhos.

A assertiva, politicamente correta, irrefutável, de que se deve aproveitar saudável prolongamento da vida dos cidadãos, é um fato de grande significado humano, enquanto a função pública -no caso específico, a questão da renovação das cúpulas dos tribunais- obedece a outra sistemática, que tem como objetivos a renovação da jurisprudência, a modernização de práticas gerenciais, a pressão legítima e oxigenadora das novas gerações.

O contrário representa o risco da estagnação, do desestímulo aos impulsos naturais da criatividade que resultam da progressão dinâmica das carreiras profissionais -no caso, a dos juízes.

Tudo bem. Que as pessoas vivam mais; que os aposentados tenham mais tempo para usufruir o justo lazer; que esses idosos, na inteireza das suas faculdades físicas e mentais, possam exercitar sua sabedoria e expor experiências acumuladas em obras e testemunhos. Tudo isso deve ser celebrado e a sociedade preparada para absorver o que possam produzir.


No entanto, quando a média de permanência de um ministro no Superior Tribunal de Justiça passar dos 16 anos atuais para 21 anos (será de 17 anos para 22 anos no Supremo Tribunal Federal e de 19 para 24 anos no Tribunal Superior do Trabalho), o descompasso com a renovação de mandatos dos Poderes Executivo e Legislativo e com o próprio universo das empresas, da docência universitária, do exercício das profissões liberais, será de tal forma sensível que teremos criado um problema a mais para a Justiça. Será preciso uma revisão conceitual da carreira de magistrado.

O sofisma, portanto, é grosseiro. Até passaria como uma construção astuta, se não escondesse um vício pior: a fulanização. Ou seja, será para impedir a aposentadoria compulsória de determinados juízes, cujos méritos pessoais poderiam até ser reconhecidos como exceção que justificaria a regra, mas que não podem ser considerados no Estado republicano e democrático em que vivemos.

Todo o nosso empenho -e é essa a doutrina que prevalece entre os 14 mil juízes organizados na Associação dos Magistrados Brasileiros- é consolidar a realidade da Justiça acessível, universal, humana, atualizada, sensível às circunstâncias, sincronizada com a civilização.

Aliás, nessa luta para isolar de sofismas a discussão sobre o limite de idade para o exercício da magistratura brasileira, não estamos propondo uma exceção. Pelo contrário, a tendência moderna é a fixação de mandatos nas cúpulas judiciais com tempo certo (12 anos na Alemanha, 9 anos na Itália, 9 anos na França, 6 anos em Portugal), quando não cravam 70 anos os que fixam limites para aposentadoria, casos da Áustria, Bélgica, Rússia e Hungria.

Todos esses países, longe de desprezar a sabedoria dos seus setentões -e até com expectativas de vida mais dilatadas que a brasileira-, levam em consideração, por exemplo, o risco de que a estratificação dos tribunais desestimule a carreira dos seus juízes, pois, tal como nos congestionamentos de trânsito, se as vias se afunilam, nada pode impedir a impaciência, o desconforto, a monotonia, a frustração daqueles a quem é imposto o ritmo lento, quase parando.

Essa experiência, todos já tivemos, pois o engarrafamento das carreiras da magistratura, caso a aposentadoria compulsória nos tribunais seja dilatada para os 75 anos, será colossal e desesperador.

Rodrigo Collaço, 43, é juiz estadual e presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

Autor:   Rodrigo Collaço

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