23/07/2007
Jornal da Paraíba, em 22 de julho de 2007

Marcos Sales quer reforma política cidadã

SILVANA CIBELLE

Se a crítica é a de que os juízes brasileiros recentemente estariam muito preocupados com a questão salarial, com duas campanhas que começam a ser divulgadas em todo o País, os magistrados querem mostrar que as preocupações do Poder Judiciário também são outras. Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, o presidente da Associação Paraibana de Magistrados, o juiz Marcos Sales, fala sobre a atual campanha que busca chamar atenção dos cidadãos para a discussão sobre a Reforma Política que vem tramitando no Congresso. Para o juiz, a reforma, em seu texto atual, se aproxima muito do que ele chama de ‘bijuteria’ – brilha, mas não tem valor – e precisa ser vista e estudada com mais detalhes, principalmente para permitir uma participação maior do cidadão-eleitor durante o mandato de seus escolhidos. Outra preocupação da AMB e AMPB, completa, é chamar atenção para o problema da adoção no País. São 80 mil crianças vivendo em abrigos à espera da adoção, destaca o juiz. E se a atual lei sobre o assunto causa entraves nesse processo? Ele garante que não. E vai mais longe: reforça que o preconceito ainda é o que impera; o desejo do filho perfeito de cor clara e com pouca idade, diz, é o que continua contribuindo para que milhares de crianças continuem vivendo em abrigos.

--------------------------------------------------------------------------------

ENTREVISTA

A Associação dos Magistrados da Paraíba, junto com a Associação dos Magistrados do Brasil está realizando uma campanha em todo o Brasil sobre a Reforma Política. Qual o objetivo da campanha?

– Nós estamos preocupados neste momento com a crise ética que assola este país em suas mais diversas instituições, inclusive no Poder Judiciário também. E é com essa preocupação que queremos tirar o cidadão da apatia generalizada, fazendo com que ele volte a se preocupar com as coisas da política, já que ninguém vive sem praticar política. Eu faço política no meu trabalho, na minha casa, em qualquer ambiente. O que observamos é uma absoluta indiferença do cidadão em relação às coisas da política. E essa indiferença não contribui em nada para superar essa crise ética e moral que o Brasil passa neste momento. Por exemplo, o Congresso Nacional está paralisado por um crise ética do seu presidente. E o Brasil assiste estarrecido e pouco podendo fazer em função da atuação corporativa dessa instituição. Então essa crise se acentua, o cidadão se afasta das coisas da política e, o que é que ocorre? No inverso a corrupção avança, porque ela não está diminuindo. Vocês denunciam, o fato vira rotina, banaliza-se, e o cidadão acabará por se acostumar com notícias sobre a corrupção. E a preocupação da AMB e AMPB é com esse tipo de problema: fazer resgatar no cidadão primeiro o interesse pelas coisas da política e, segundo, vigiar os seus agentes políticos, para que nós possamos recuperar a nossa auto-estima. Eu como cidadão brasileiro me sinto com a auto-estima completamente atingida. E isso é uma coisa de ‘n’ pessoas que se sentem indignadas... Daí a razão de entendermos que para começar a superar tudo isso é preciso modificar o modelo político eleitoral. Nós temos aí uma proposta que se aproxima muito do que eu vou chamar aqui de ‘bijuteria’: tem brilho, parece, mas não é jóia. A gente precisa fazer um reforma profunda, uma reforma política eleitoral.

Como deveria ser essa reforma?

– A democracia brasileira hoje se encontra em um processo de migração da democracia representativa para a democracia participativa, em que escolhemos os nossos representantes. Mas nós já percebemos na Constituição Brasileira um modelo de democracia participativa, aquela em que eu não apenas escolho os meus representantes, mas participo diretamente, e passo a ser também um protagonista da história, eu cidadão. No mundo todo, está havendo uma crise da democracia meramente representativa. Essa crise ética também serve para mostrar o exaurimento de um modelo. E para exaurir um modelo, temos que apresentar uma alternativa de um modelo novo para que a sociedade não venha a se tornar refém da corrupção. Qual a nossa preocupação? Reforma política eleitoral. Mas não uma reforma que eu chamo de ‘bijuteria’ não, uma reforma de essência mesmo, que discuta a questão da reforma partidária, o tempo de mandato do senador, a escolha de suplente de Senado, que é uma figura cada vez mais presente na história republicana e que o cidadão brasileiro pouco sabe sobre ele. E o mais importante: o cidadão dentro dessa democracia participativa deve buscar uma maneira de controlar o mandato; não basta eleger um deputado federal, um senador, governador, se você não tiver um instrumento de controle, o que os americanos chamam de recall ou ‘rechamada’.

Como o senhor acredita que o cidadão comum pode exercer melhor essa democracia participativa?

– Precisamos criar instrumentos de democracia participativa direta fazendo com que em um intervalo de mandato, o cidadão possa fazer uma fiscalização deste mandato; eu escolhi um deputado federal, não estou satisfeito, no modelo atual. O que eu posso fazer? Nada. Quando muito, procurar um jornalista e lançar críticas, mas não há nenhuma outra atividade de controle. Então é preciso que a sociedade brasileira pense e se aprofunde na questão do recall, na ‘rechamada’, no controle da atividade eletiva. Temos de partir para uma reforma eleitoral, política, profunda, para coisas mais complexas que mudem a estrutura política do País, que impeçam, por exemplo, a existência do ‘caixa dois’, porque a corrupção chegou no serviço público brasileiro pelo ‘caixa dois’. Primeiro determinado empresário elege um político, gasta dinheiro na campanha daquele político e, em seguida, cobra. O político é eleito e diz: agora as licitações são minhas, as minhas empresas ganharão e não apenas concorrerão, elas ganharão as licitações, e aí a corrupção se consolida. Várias operações da PF recentemente têm mostrado à Nação vias de corrupção; várias prisões decretadas pelo Poder Judiciário, porque todas essas prisões feitas pela polícia federal foram decretadas pelo Poder Judiciário. A AMB preocupada com este Estado de coisa, de insolvência cívica, está chamando o cidadão a resgatar sua auto-estima a fazer com que ele se sinta interessado pelas coisas da política e, sobretudo, em cobrar dos nossos agentes políticos.

A AMB propõe um modelo de como seria essa reforma?

– Uma reforma política que possa discutir, por exemplo, a extinção dos cargos comissionados. A Constituição trata de dois meios de acesso ao serviço público: o concurso, onde todos nós somos absolutamente iguais e a nossa diferenciação é a de conhecimento. E o mandato eletivo, que é o fundamento maior da democracia. Se você tem duas portas de acesso, por que o cargo comissionado? Por que eu vou escolher pessoas, em primeiro plano de familiares, depois de amigos, ou correligionário político que tira a capacitação técnica do primeiro momento? Se eu não valorizo a capacitação, eu estou valorizando a formação de grupos, e aí a corrupção chega. A nossa associação não tem um modelo pronto. A nossa cartilha diz o que é a reforma, dá uma orientação jurídica sobre o texto atualmente tramitando no Congresso Nacional, mas ela não apresenta uma proposta pronta e acabada. O que a associação quer é despertar no cidadão o interesse pelas coisas da política.

Os brasileiros sempre reclamaram da lentidão da justiça brasileira. Mas um dos questionamentos mais atuais da população recai mesmo sobre a atual legislação penal. O senhor é favorável a mudanças no Código Penal?

– O Judiciário continua lento, apesar dos esforços dos seus juízes, desembargadores e ministros, a prestação jurisdicional ainda é feita de maneira estruturalmente deficiente, é há uma preocupação nossa, da magistratura como um todo, em tentar resgatar a celeridade dos processos. Mas isso parte de duas questões. Uma é a legislativa. As nossas leis são arcaicas, muitas vezes valorizam demais os aspectos formais em detrimento dos aspectos essenciais. Nós temos, às vezes, uma gama de recursos, que são mesmo um problema quando você poderia assegurar o recurso – porque isso é um direito, porque os juízes, desembargadores e ministros também erram e quando há um erro desse profissional, há de se ter uma inconformação – mas também não valorizar em demasia o recurso, porque nós temos praticamente uma ditadura do recurso, uma sucessão de recursos. Aí vem o segundo problema: o estrutural, de funcionamento do Judiciário. Primeiro falta entre nós, do Poder Judiciário, uma democracia consolidada. Nós juízes cobramos muito a democracia dos outros poderes, mas a praticamos muito pouco internamente; falta um melhor relacionamento da base da magistratura com as cúpulas do Poder Judiciário. E é preciso que trabalhemos essa nova ordem de uma democracia interna.

O Poder Judiciário tem discutido muito nos últimos tempos melhores salários. Qual a sua opinião sobre isso?

– Sempre me preocupei com a boa remuneração de todo profissional. E o juiz é o profissional que lida com grandes questões, patrimoniais, a liberdade humana, a dignidade humana, os interesses da atividade política, tudo isso aflora dentro do Poder Judiciário. Daí a razão de defendermos uma boa remuneração não apenas para o juiz, mas para todo profissional. O que eu espero é que a sociedade brasileira amadureça e não faça como outras instituições como o Banco do Brasil e Petrobras, por exemplo, em nivelar por baixo. Porque puxar para baixo não me parece inteligente. Mas a magistratura não está preocupada apenas com a questão salarial. Nós, hoje, estamos remunerando campanhas nacionais como a ‘Mude o Destino’, uma preocupação da magistratura com 80 mil crianças que estão abrigadas, aparentemente protegidas, materialmente protegidas, mas afetivamente desamparadas.

Qual o objetivo dessa campanha?

– Essa campanha busca resgatar a adoção. Dar visibilidade a essas crianças que nasceram e estão vivendo em abrigo sem ninguém que as queira adotar, e, muitas vezes, chegam até os 18 anos nesses abrigos, quando aí são colocadas para fora do abrigo, por terem completado a maioridade e vão assumir uma enorme responsabilidade diante do mundo, quando o mundo não assumiu essa responsabilidade por elas. Nós buscamos através dessa campanha buscar na sociedade brasileira dar visibilidade a esse problema.




© 2024. Todos os Direitos Reservados. AMPB - Associação dos Magistrados da Paraíba

Av. João Machado, Nº 553, Centro, Empresarial Plaza Center, 3º andar, Sala 307, João Pessoa - PB, CEP: 58013-520.
Fone/Fax: (83) 3513-2001
Jornalista Responsável: Jaqueline Medeiros - DRT-PB 1253