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Grande parte das cerca de seis mil cidades brasileiras
podem ter que reduzir o número de vereadores. O
Supremo Tribunal Federal caminha no sentido de
estabelecer que o número de vereadores seja
proporcional ao de habitantes das cidades.



O julgamento foi interrompido, nesta quinta-feira
(11/12), por um pedido de vista do ministro Cézar
Peluso. Quatro ministros já votaram seguindo o
entendimento do relator, ministro Maurício Corrêa, que
defendeu a adoção da fórmula que fixa um vereador para
cada 47.619 habitantes. São eles: Nelson Jobim,
Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto. Os ministros
Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio divergiram.



A discussão se dá no julgamento de um recurso (RE
197.197) do Ministério Público de São Paulo contra um
dispositivo da lei orgânica de Mira Estrela (SP), que
fixa em onze o número de parlamentares da Câmara de
Vereadores da cidade, que tem cerca de três mil
habitantes. O MP alega que a lei desrespeitou o
principio constitucional da proporcionalidade.



A Constituição estabelece que os municípios com até um
milhão de habitantes devem ter o mínimo de nove e o
máximo de 21 vereadores. Contudo, cidades com menos de
cinco mil habitantes têm chegado perto do número
máximo de vagas permitidas. Estima-se que existam no
Brasil mais de mil vereadores além do que a
Constituição permite.



Passo a passo



De acordo com o procurador de Justiça em São Paulo,
Airton Florentino de Barros, o Ministério Público
propôs dois critérios para limitar o "abuso" de
Câmaras Municipais.



O primeiro estabelece que todas as cidades com menos
de 142.850 habitantes tenham o mínimo constitucional
de nove vereadores. Se o município tiver mais
habitantes, a regra fixaria um vereador para cada
grupo de 142.850 pessoas. Esse número, disse Airton,
foi encontrado dividindo-se um milhão por sete
(quantidade de números ímpares entre nove e 21).



"O outro critério, que o Supremo parece estar
adotando, fixa as mesmas regras do anterior, só que
com base no número 47.619, resultado da divisão de um
milhão por 21", explicou.



Segundo Airton, o primeiro critério seria
melhor, "porque teríamos a grande maioria das cidades
com nove vereadores. Mas ainda que o Supremo opte
mesmo pelo segundo, isso já é bom porque vai limitar
um pouco o abuso das Câmaras Municipais."



Com informações do STF.



Leia dois memoriais do Ministério Público de São Paulo
sobre o assunto:



EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA


DIGNÍSSIMO RELATOR DO RE 266.994-6-SP EGRÉGIO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL



Tendo em vista que se encontra na pauta para o
julgamento o RE nº266994-6-SP, tomo a liberdade de
encaminhar a Vossa Excelência o presente memorial,
abordando os pontos que entendo fundamentais para a
definição do caso.



Como resultado de ações civis públicas propostas pelo
Ministério Público objetivando reduzir o número de
vereadores em dezenas de Municípios do Estado de São
Paulo, algumas Câmaras Municipais já se adaptaram a
decisões judiciais favoráveis.



A hipótese que deu origem ao recurso supramencionado é
a do Município de Teodoro Sampaio-SP que, embora
contando à época da propositura da demanda, com
aproximadamente 20.000 habitantes apenas, possuía 13
vereadores, 4 a mais do que o mínimo constitucional
(art.29, IV, a).



Impulsiona-me a encaminhar-lhe as presentes razões o
fato de que o julgamento desse caso por essa Corte
Suprema tornará possível a esta Procuradoria Geral de
Justiça e certamente às dos demais Estados da
Federação adotar posição definitiva acerca do tema,
bem como amenizar a angústia de prefeitos municipais,
candidatos, eleitores e da comunidade em geral,
decorrente da insegurança jurídica dos interessados.



Aliás, pronto também para julgamento, inclusive com
parecer do Ministério Público Federal, o RE nº197.917-
8-SP, relativo à Câmara Municipal de Mira Estrela,
ainda hoje com menos de 3.000 habitantes.



Entende o Ministério Público do Estado de São Paulo,
que o número de vereadores deve ser rigorosamente
fixado dentro da proporcionalidade à população do
município, nos termos e sob pena de ofensa não só ao
preceito do artigo 29, IV, da Constituição Federal(1),
como do artigo 37, da mesma Carta, que impõe à
Administração Pública a observância aos princípios da
legalidade, da moralidade, da eficiência e da
razoabilidade, impedindo, além disso, no seu §4º, a
prática de atos que resultem em dano ao erário sem a
conseqüente responsabilização do agente público
causador, o que encontra consonância com o artigo 1º,
que qualificou o Brasil como Estado republicano.



Primeiro, porque a CF, no mencionado artigo 29, IV,
poderia ter excluído a locução proporcional à
população do Município se quisesse conceder ao
Município a faculdade de apenas fixar um número
aleatório entre o máximo e mínimo previstos nas
alíneas. E, como é sabido, a lei não usa palavras
inúteis.



Segundo, porque a proporcionalidade à população local,
referida expressamente no citado dispositivo, por não
ser política, mas matemática, não é discricionária e,
sim, vinculada. Nem precisaria de Lei Orgânica
Municipal para ser aplicada, como entendeu, aliás, na
Representação nº8.883/88-TER-SP (Rec.8.084,
julg.1.12.88, Rel.Min. AMÉRICO LUZ) o TSE que, para a
eleição então em andamento, incumbiu à Justiça
Eleitoral a fixação do número de cadeiras nas Câmaras
Municipais.



Terceiro, porque a proporcionalidade foi imposta
constitucionalmente por absoluta necessidade, isto é,
para compor, em todos os níveis, uma máquina estatal
eficiente para assegurar a prestação de serviços e
garantir direitos fundamentais a todos os cidadãos e a
representatividade democrática, mas sem gastos danosos
ao patrimônio público e muito menos a autofagia.
Muitos Municípios não conseguem suportar nem sequer os
ônus decorrentes da prestação de serviços essenciais
e, no entanto, contam com vereadores em número
demasiadamente desproporcional à sua população, sem
considerar todos os recursos materiais e humanos
necessários para a manutenção dos vereadores
excedentes.



Aliás, justamente para forçar o equilíbrio fiscal e
orçamentário, admite a CF severa redução de gastos
públicos com pessoal(3).



Quarto, os danos ao erário, não sem razão, são
rigorosamente coibidos, nos termos do artigo 37, da CF
que, aliás, chega a deferir a qualquer cidadão, no seu
artigo 5º, LXXIII, a ação popular para garantir a
integridade do erário(4).



Não pode, pois, a Municipalidade, mesmo através de seu
Legislativo, cujos atos são lato senso atos de
Administração Pública e, portanto, sujeito aos
referidos princípios, criar mais cargos de vereador
além do indispensável, devendo ser obedecida, pois, a
proporcionalidade à população local, visto que o
excedente acarretará danos ao erário.



Quinto, do princípio da moralidade decorre a
necessária razoabilidade, princípio consagrado
implicitamente na CF e explicitamente na Constituição
paulista(5). Não se pode entender como razoável que um
município de menos de 3.000 habitantes tenha, por
exemplo, 21 vereadores, que é o máximo previsto para
os Municípios de até 1.000.000 de habitantes.
Considerando que há no Estado de São Paulo cerca de
300 Municípios com menos de 10.000 habitantes, se
admitido sempre o número máximo, chegar-se-ia a um
excedente de 3.300 vereadores, sem contar que cada
vereador acaba dispondo de uma estrutura composta por
diversos funcionários. Não se pode esquecer que o
Estado tem hoje cerca de 600 Municípios.



Para os Municípios de população de até 1.000.000 de
habitantes, parece incontestavelmente razoável o
cálculo de proporcionalidade exposto na inicial do
caso ora examinado: divide-se a população de 1.000.000
de habitantes em 7 grupos (para obter-se sempre número
impar ¾ 9, 11, 13, 15, 17, 19 e 21 ¾ e evitar-se
empate nas votações), chegando-se ao número de
vereadores escalonadamente: 1.000.000 : 7 = 142.850,
daí concluindo-se que contando o Município com até
esse número de habitantes (142.857) pode ele ter
apenas 9 vereadores. A partir daí, observa-se a
multiplicação por 2, 3, 4, 5, 6, 7, conforme a
sequência dos grupos já mencionados (142.857 x 2 =
285.714) Os Municípios que contam com uma população
superior a 142.857 e até 285.714 podem ter 11
vereadores; os que contam com uma população superior a
285.714, até 3 x 142.857, isto é, 428.571, podem ter
13 vereadores e daí por diante (571.428, 714.285,
857.142 e 1.000.000).



É verdade que outros critérios podem ser utilizados
para o estabelecimento da proporcionalidade, seja
dividindo a população máxima considerada (1.000.000)
pelo número máximo de vereadores (21 vereadores
(47.619), seja pelo número total de vereadores, entre
máximo e mínimo, isto é, 13 vereadores, contando-se de
9 a 21 (76.923). Em todos os casos, o mínimo
populacional, base de cálculo, ultrapassaria 45.000
habitantes.



Isto significa que, mesmo tomando-se o critério menos
rigoroso, não haveria a menor chance de um município
com menos de 45.000 habitantes contar com mais de 9
vereadores. Sexto, não vinga o argumento de que
perderia o Município a sua autonomia. Ora, se a função
do princípio federativo é assegurar a autonomia dos
Estados e consequentemente a de seus Municípios, não
exclui também a de obedecer a convenção entre eles
que, por essa forma, manifestaram o desejo de
reconhecer soberania à União. Assim, os limites da
autonomia dos Municípios, para a questão, são fixados
concretamente pela Constituição Federal, que não pode
tornar-se letra morta.



Sétimo, porque outro princípio a que se sujeita todo
ato de Administração Pública é o da eficiência que,
paralelamente ao da razoabilidade, determina que o
Estado não pode contar senão exatamente com os órgãos
necessários para que sua atividade seja exercida
eficientemente.



Por essa razão é que, apenas a título de exemplo, nas
ações civis públicas ajuizadas para a redução do
número de vereadores dos Municípios de Mairinque e
Espírito Santo do Pinhal, decidiu o Egrégio Tribunal
de Justiça pela redução pleiteada, em 7 de maio de 6
de agosto últimos, respectivamente (TJSP, 6ª Câmara de
Direito Público, Ap.Civ. 207.689.5/0 e 168.517-5/4,
sendo Relatores os eminentes Desembargadores VALLIM
BELLOCCHI e JOSÉ HABICE).



Oitavo, porque, a prevalecer a situação, haveria
ofensa ao princípio constitucional da isonomia, na
medida em que, ao não se observar o citado princípio
da proporcionalidade, os votos de eleitores de um
município acabam tendo menor ou maior peso do que os
dos eleitores de outros municípios, sem qualquer
critério que o justifique.



A propósito, há precedentes desse Colendo Supremo
Tribunal Federal que merecem menção (ADIn 692-4, Goiás
e 1.038-7, Tocantins). Mencione-se também o caso de
Sorocaba-SP, em que decidiu-se o Juiz da Comarca pela
redução, negando a 2ª Instância suspensão dos efeitos
da decisão (TJSP, 6ª Câmara de Direito Público,
AI.167.521-5/5, Rel. Des. CHRISTIANO KUNTZ e Pleno,
Areg. 76.396-0/9-01, Presidente e Relator Des. MARCIO
BONILHA), por decisões de 7.8.00 e 25.10.00, mantidas
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE, MC 962-SP,
Rel.Min. GARCIA VIEIRA, em 24.11.00) e nesse Colendo
Supremo Tribunal Federal (STF, Reclamação nº 1.733-8,
Rel.Min. CELSO DE MELLO, de 24.11.00).



De tal relevância a questão, que o TSE já decidiu que
a fixação do número de cadeiras no Legislativo
Municipal não sofre a glosa do artigo 16, da
Constituição Federal (RMS 1.967, 31.8.93, public. DJU
01.10.93, Relator Min. MARCO AURÉLIO).



Não impressiona também o argumento de que a cada
modificação populacional a Lei Orgânica Municipal
teria que ser alterada, pois a lei local pode fazer
previsão de aumento populacional de longo prazo para
regulamentar a matéria.



Observe-se, ademais, que a inconstitucionalidade, no
caso aqui examinado, é suscitada como causa de pedir
(o objeto do pedido não é a declaração da
inconstitucionalidade da lei municipal), de modo que
não se pretendeu substituir a ação direta de
inconstitucionalidade pela ação civil pública,
perfeitamente adequada para a hipótese.



É o que tinha respeitosamente a observar.



São Paulo, 19 de março de 2.002.



JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO



Procurador Geral de Justiça



Notas de rodapé



1- CF, Atrt.29. O Município reger-se-á por lei
orgânica, votada em dois turnos, com o interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos
membros da Câmara Municipal, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e
os seguintes preceitos:



IV ¾ número de Vereadores proporcional à população do
Município, observados os seguintes limites: a) mínimo
de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até
um milhão de habitantes; b) mínimo de trinta e três e
máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um
milhão e menos de cinco milhões de habitantes; c)
mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e
cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de
habitantes;



2- CF, Art.37. A administração pública direta,
indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:



3- CF, Art.169, §3º.



4- CF, Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: …LXXIII ¾ qualquer cidadão é parte legítima
para propor ação popular que vise a anular ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando
o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência.



5- Artigo 111 - A administração pública direta,
indireta ou funcional, de qualquer dos Poderes do
Estado, obedecerá os princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação e interesse
público.




Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2003.
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Assessora de Imprensa - Jaqueline Medeiros