A LEI DE MATUSALÉM
m. william*
O Senado brasileiro já aprovou, em dois turnos, a apelidada Lei Matusalém, que amplia em mais cinco anos, o tempo de serviço para que o funcionário público possa ser aposentado compulsoriamente do serviço ativo.
Aqui, nenhuma crítica aos nossos honrados e respeitáveis homens de melhor idade, classificação cronológica até os setenta anos pelo agonizante status quo.
Já a declarou auto-aplicável em relação aos ministros dos Tribunais Superiores que, como sabemos, são nomeados pelo Presidente da República, como determina a Constituição.
Para o baixo-clero, e aí se incluem os Desembargadores Procuradores e Juízes, fica na dependência de regulamentação, caso haja aprovação também na Câmara dos Deputados.
Mais uma vez se toma a parte pelo todo, a exceção pela regra, no processo legiferante nacional. Isso significa que há muitos funcionários por esse Brasil afora, de lucidez e de vigor físico incontestes, mesmo acima dos setenta anos. Por outro prisma, porém, a esmagadora maioria já está muito aquém de sua capacidade produtiva, merecendo assim o repouso sagrado.
Exercer a atividade judicante é um dos mais desgastantes exercícios mentais que se pode infligir aos homens e mulheres. A difícil missão de se distribuir a Justiça, julgando com desigualdade os desiguais, constitui-se num fardo pesado e constante, sem direito a nenhum momento de repouso.
Forçar-se um magistrado a trabalhar à exaustão, diante da irrecuperabilidade das noites mal-dormidas, fins-de-semana sacrificados em favor de pilhas de livros e processos, ao martírio do estudo enclausurado e indispensável, no anonimato operário dos abnegados, provoca a antecipação de sua estação de chegada.
Imagine-se, então, obrigá-lo a essa rotina insana, quando já tem a visão afetada pela energia estática dos computadores, corrigida a graus indispensáveis de forma exagerada; quando a voz já não soa tão forte nas audiências e julgamentos e constantemente falha, congelando-se num esgar descoordenado, como numa imagem desbotada de um filme antigo...
Determine-se submetê-lo a jornadas de tensão constante, que apenas alteram o ritmo do seu coração muitas vezes já safenado e com vontade de parar para descansar... Obrigue-se-lhe a raciocinar dolorosamente na elaboração de suas sentenças, fustigando uma mente já esmaecida, que nunca recebeu como paliativo ou bálsamo no decorrer de sua carreira, momentos de alegria intensa e rejuvenescedora.
O que fazer com seus passos lentos e arrastados pelos corredores das Casas da Justiça? Onde amparar o desequilíbrio de um corpo que já beira os oitenta anos de uma vida difícil e repleta de sacrifícios? Como disfarçar o teimoso tremor de suas mãos, que passa a se manifestar constantemente, não mais se restringindo, irreverente e cruel a situações emocionais?
O que fará aquele magistrado velho, ainda na ativa, após os setenta e cinco anos de idade, muitas vezes já órfão de sua companheira que cansou de esperá-lo para envelhecerem juntos?
Vi e ouvi senadores jovens e cheios de vida dizerem que estes magistrados após a aposentadoria compulsória, ainda têm muito a dar no ensino do Direito através das Universidades Públicas e Privadas. Imaginei que só se forem os seus ossos, para as aulas de Medicina Legal...
Entristeceu-me, profundamente, o fato de que, por dedo da OAB, uma vez aposentado, o velho magistrado não poderá exercer a advocacia por um período mínimo de três anos, o que equivale a dizer que uma vez aposentado compulsoriamente aos setenta e cinco, só poderá advogar após os setenta e oito.
A justificativa para mais esse golpe contra quem quer exercer livremente e constitucionalmente uma atividade lícita, nos termos da Lei, é que o juiz aposentado poderia exercer tráfico de influência junto aos outros colegas que ainda estivessem em exercício, em prejuízo dos advogados militantes.
Nesse diapasão, forçoso é concluir-se que, após dedicar toda a sua vida a fazer a Justiça para os outros, de ser um espelho de dignidade e decência para a sociedade que já lhe foi jurisdicionada, hoje, o velho juiz queda-se, impotente, enxovalhado e ainda suspeito, diante de uma Lei absurda e inconstitucional, que o impede de trabalhar honestamente, nos últimos momentos de sua vida.
Esse absurdo legal joga-lhe a pecha de corruptor e presume, numa só tacada, corrompidos os que ainda estão na atividade judicante.
Pobre corrupto velho!
A ti resta apenas morrer, com alguma dignidade, se ainda te for possível, vitimado pelo esquecimento e pelo desrespeito dos sábios atuais...
*juiz de direito