Por muitos anos, em busca de uma tutela jurisdicional tempestiva e efetiva, várias reformas foram feitas no sistema processual, procurando corrigir distorções e adequá-lo às exigências de um processo de massificação de demandas, seja fomentando formas alternativas de solução de conflitos seja disponibilizando instrumentos mais adequados e consentâneos com o tipo de pretensão veiculada.
A par de todas as alterações introduzidas nos últimos dez anos, pouco se fez em relação à parte burocrática de tramitação dos feitos. De fato, a organização cartorária, principal responsável pelo impulso processual, permaneceu seguindo o modelo tradicional consistente na previsão de uma escrivania à disposição de cada juízo.
Entretanto, esta forma de organização da atividade administrativa de movimentação processual não é a que melhor se compatibiliza com as exigências impostas pela legislação vigente. Não se pode pretender impor celeridade aos feitos sem voltar as atenções para a parte diretamente responsável pelo andamento do feito. Imaginar que a única causa eficiente da demora na tramitação dos processos se deve ao comportamento do magistrado é incorrer em grave erro.
De nada adiantaria ter um juiz eficiente, se o cartório que o auxilia não tem condições de atender a toda aquela demanda. O raciocínio inverso também é verdade: um cartório célere e em dia com suas obrigações teria toda a sua presteza apagada por um juiz ineficiente. Realmente, atribuir poderes ao magistrado para julgar liminarmente improcedente demandas repetitivas (art. 285-A do CPC) e não dar subsídio aos cartórios para agilizar sua tramitação é tornar vazio o comando legal.
Outro fator que contribui sobremaneira para que não haja uma harmonia no prazo de tramitação é o número de feitos em cada vara. Realmente, esta situação leva a que cartórios com menos processos consigam dar cumprimento aos seus deveres em prazo bastante inferior a outros, o que conduz a um baixo aproveitamento de seu potencial. A situação se agrava na medida em que muitas vezes o número de servidores não é suficiente para atender a demanda. Não se precisa de muito esforço para concluir que 7 servidores para atender a 1.000 processos é bastante diferente dos mesmos 7 servidores para movimentar 10.000.
De outra forma, por motivos administrativos, juízes são levados a substituir outros, cumulando atividades em dois juízos. Esta hipótese leva a que os feitos passem a acumular no gabinete do magistrado, esvaziando o cartório e tornando-o ocioso.
Apenas como exemplo, citamos o caso da 3ª Vara Cível onde, segundo levantamento do próprio Tribunal de Justiça, existem 1.614 processos ativos dos quais cerca de 680 feitos encontram-se paralisados no cartório por mais de 30 dias, aguardando movimentação. Em contrapartida, um cartório como a 11ª Vara Cível, com 1.206 processos ativos, tem aproximadamente 26 feitos na mesma situação.
Desse quadro comparativo percebe-se que há uma evidente discrepância no tocante à capacidade de tramitação processual. Veja-se que, enquanto no primeiro cartório o número de feitos paralisados sem movimentação representa uma fração de 42,13% do total de processos ativos no juízo, no segundo exemplo, esta equação corresponde a tão somente 2,1%.
Ainda com base no exemplo acima, a conclusão a que se chega é que, do ponto de vista do jurisdicionado, somente aqueles que tiveram a sorte de verem seus feitos distribuídos para um cartório enquadrado na segunda situação, poderão gozar dos benefícios de uma tramitação célere, ao passo que aquele que teve sua demanda distribuída para a uma vara na mesma situação da primeira, antes descrita, não terá o mesmo destino.
O exemplo acima descrito serve para demonstrar a evidente discrepância que existe dentro de um único judiciário. Não se justifica que pessoas em situações iguais tenham que se submeter a demoras diferentes.
Problema semelhante a este foi enfrentado há pouco tempo atrás quando os mandados de determinado cartório eram cumpridos pelo oficial de justiça vinculado. Essa forma de distribuição dificultava sobremaneira o cumprimento dos mandados em tempo, uma vez que, dependendo do volume de ordens a serem cumpridas, o contingente disponível em cada vara não seria suficiente. A solução, então, foi a criação de uma central para onde seriam distribuídos todos os mandados e lá redistribuídos igualitariamente entre os oficiais de justiça, o que propiciou uma equalização na forma de cumprimento.
A solução seria a criação de uma Secretaria Geral de 1º Grau, capaz de concentrar toda a parte de movimentação processual antes atribuída aos cartórios individualmente. Em contrapartida, para efeitos de distribuição e competência, cada magistrado permaneceria representando um juízo, para onde seriam os feitos conclusos.
A implementação desta secretaria facilmente corrigiria os problemas antes apontados na medida em que todos os processos estariam sujeitos à mesma atividade de tramitação. Em outras palavras, aproveitar-se-ia o tempo ocioso de um cartório para dar impulso aos processos de outro, desconcentrando e perenizando a movimentação dos feitos (equalização da atividade). Este órgão ficaria sob a supervisão de coordenadores sujeitos à livre nomeação e exoneração.
Como se vê, a proposta que se faz aqui não é tão nova como se imagina, basta ver o modelo adotado nas Turmas Recursais, onde várias turmas mantêm-se vinculadas a uma mesma secretaria.
Por óbvio, a organização administrativa dos juízos em Secretarias Gerais dependeria da estrutura do Fórum onde se pretenda implantar o novo sistema. Com efeito, esta forma de organização visa imprimir celeridade na tramitação dos processos em 1º Grau, de modo que não se justifica a criação de uma Secretaria quando o Fórum detenha poucas varas ou mesmo, comporte com eficiência o volume de processos distribuídos.
Ressalto desde já que não há qualquer vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade no projeto, já que a iniciativa partiria do Próprio Tribunal de Justiça e, por se tratar de norma sobre Organização Judiciária, seria apreciada pela Câmara Legislativa do Estado, tal como prevê a regra do artigo 125 §1º da Constituição Federal. Do mesmo modo, o CPC, em momento algum, veda a organização interna da forma como ora se propõe.
Márcio Murilo da Cunha Ramos
Desembargador