Sem dúvida alguma, 4 de junho de 2010 tornou-se uma data histórica para o Brasil. Gerações futuras ouvirão referências sobre o dia em que, pela primeira vez em nosso país, foi sancionada, por um Presidente da República, e sem vetos, uma lei de iniciativa popular que estabelece um marco na política brasileira e renova a esperança de que, futuramente, teremos uma Nação sem a mácula da corrupção.
O Projeto "Ficha Limpa" é emblemático por diversos fatores. Primeiro por consolidar a importância da organização popular no enfrentamento de questões complexas, a exemplo da corrupção que há anos campeia nas entranhas dos Poderes e envergonha a Nação. Mais importante, ainda, por representar um avanço contra uma série de entraves históricos e estruturais da democracia brasileira, introduzindo uma mudança de atitude não só dos políticos, mas, principalmente, daqueles que os escolhem.
Falar do Projeto "Ficha Limpa" e de sua vitória, sem falar da sua trajetória desde a concepção, é como festejar um gol sem saber quem o marcou ou elogiar um bom livro sem fazer referências a quem o escreveu.
Nesse momento em que comemoramos a sanção de uma lei que permitirá vetar candidaturas de políticos com condenação na Justiça, faz-se necessário chamar ao pódium aqueles que estiveram na trincheira desta batalha desde o seu primeiro instante: a sociedade, representada por 1,6 milhões de eleitores que assinaram a solicitação protocolada na Câmara Federal em novembro de 2009, os movimentos sociais organizados e, em especial, a Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB.
Ciente do papel da magistratura brasileira de defender a ética no exercício de cargos públicos e considerando que a análise do histórico de vida dos candidatos é fator de fundamental importância nesse processo, coube à AMB dar o pontapé inicial na partida que resultou no nascimento, e, agora, na sanção do Projeto Ficha Limpa.
Tudo começou em 2006, quando a AMB lançou a campanha permanente "Eleições Limpas - Pelo Voto Livre e Consciente", que tinha por objetivo tornar as disputas eleitorais transparentes, combater a corrupção e contribuir para que a ética fosse o fio condutor de todos os que assumem cargos públicos, eletivos ou não.
A campanha Eleições Limpas foi uma reação concreta da magistratura aos escândalos emanados do Congresso Nacional e uma tentativa de mostrar à sociedade que, por meio do voto, é possível promover mudanças significativas no país.
A mobilização conclamou juízes eleitorais e cidadãos a fiscalizarem com rigor as eleições de 2006. Buscou orientar a sociedade sobre o que é permitido e o que é proibido no processo eleitoral. Naquele ano, a AMB distribuiu 100 mil exemplares da cartilha "Operação Eleições Limpas - A Luta dos Juízes pela Ética da Política", além de 100 mil exemplares adaptados para crianças.
Em 2008, a AMB iniciou uma ampla campanha de estímulo aos encontros dos juízes eleitorais com os cidadãos eleitores. Ao todo, 1.468 audiências públicas foram realizadas, voluntariamente, nos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal. Os encontros aconteceram em 961 das 2.988 zonas eleitorais do país.
Ainda em 2008, a AMB buscou, pelas vias judiciais, barrar a candidatura de políticos já condenados pela Justiça. Foi então que ajuizou uma ADPF no Supremo Tribunal Federal, que acabou rejeitada pela Suprema Corte.
A Associação dos Magistrados Brasileiros não se acomodou com a decisão do STF e, no mesmo ano, partiu para uma ação de grande repercussão na mídia que causou incômodo à classe política e encontrou reações contrárias até de setores do próprio Judiciário: divulgou em seu site a relação dos candidatos que respondiam a processo.
A divulgação da relação dos políticos "ficha suja", pela AMB, somada à rejeição da ADPF, deu impulso a uma inédita mobilização popular por mudanças no atual sistema eleitoral, capitaneada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, do qual a AMB também faz parte, junto com 44 entidades. Surgiu, então, o projeto de iniciativa popular "Ficha Limpa", agora sancionado. Foi uma vitória da sociedade, sim. Mas, antes de tudo, uma vitória da magistratura.
A sanção do "Ficha Limpa" tem um significado ainda maior para a magistratura e para o associativismo, pois mostra que a Associação dos Magistrados Brasileiros, com sua posição vanguardista, esteve e está no caminho certo. E mais: esta conquista credencia a AMB perante o Congresso Nacional e a sociedade a defender os interesses da magistratura. Se alguém ainda defender posicionamento contrário, certamente estará na contramão da história.