29/05/2009

CNJ recebe denúncias de nepotismo e pagamento de R$ 1 mi em diárias

Por: BETH TORRES

A Audiência Pública realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em João Pessoa, foi marcada por várias denúncias e queixas sobre a atuação e práticas de magistrados e do Judiciário paraibano. Com espaço para 21 entidades e 35 pessoas se expressarem, o ponto alto da sessão foram as denúncias encaminhadas pela Associação dos Oficiais de Justiça do Estado da Paraíba (Sojep). De acordo com a entidade, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) teria pago, em 2008, R$ 1.050,274,17 em diárias, sendo que apenas o desembargador Júlio Paulo Neto teria recebido R$ 117.523,00. A entidade entregou um relatório composto por 84 páginas com as denúncias ao corregedor do CNJ, ministro Gilson Dipp, que comandou a audiência pública. Desde a última segunda-feira, uma equipe de juízes do CNJ está na Paraíba para uma inspeção no Judiciário estadual.

Além das diárias que teriam sido pagas "em excesso", a Sojep denunciou, através do seu presidente, Jeovan Cordeiro, o recebimento de jetons (remuneração para participação de sessões e reuniões) e pagamento de pecúnia (conversão de férias antigas em dinheiro). Teriam recebido montantes, segundo a Sojep, como pagamento de diárias, pecúnia ou jetons, o secretário-geral Róbson de Lima Cananéa (R$ 195.157,47), o desembargador Antônio de Pádua Montenegro (R$ 203.183,10), o coordenador dos Recursos Humanos Einstein Roosevelt (R$ 88.152,08), o coordenador do Planejamento Paulo Romero Ferreira (R$ 78.537,50), o desembargador Antônio Elias de Queiroga (R$ 24.033,298) e o juiz auxiliar Marcos Aurélio Jatobá (R$ 40.826,72). Todos os nomes e valores constam no relatório entregue pela associação ao corregedor.

No material entregue ao corregedor, a Sojep também denunciou a suposta prática de nepotismo direto e cruzado dentro do Judiciário paraibano. Entre os supostos casos apontados pela entidade estão os seguintes: o magistrado Miguel de Brito Lyra cuja mulher Cristine de Brito Lyra ocuparia cargo de médica do Setor Médico do TJPB; o desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, que teria a esposa - apontada apenas como Isabela no documento entregue - como médica no Setor Médico; o magistrado Onaldo da Rocha Queiroga, que teria o tio Osman Setúbal Rocha como dentista do Setor Médico e o magistrado Adhailton Lacet Porto, que teria a mulher Cristiane Immisch Lacet Porto lotada na Biblioteca do TJ-PB. O oficial de Justiça Marcelo de Melo levou ao ministro denúncias sobre a existência de pelo menos 28 casos de nepotismo direto ou cruzado nas unidades judiciárias da Paraíba, em que as pessoas contratadas ocupam cargos de chefia comissionados.

O presidente da Associação dos Técnicos e Analistas judiciários da Paraíba, Françualdo da Silva, também encaminhou várias denúncias ao ministro e acabou arrancando, por várias vezes, aplausos da plateia. De acordo com ele, o TJ contaria com 1.022 servidores requisitados de outros Poderes, que ocasionam um gasto mensal de R$ 700 mil ao Judiciário. Ele sugeriu que fosse estabelecido o prazo de 45 dias para que o problema seja solucionado. Ele sugeriu que o dinheiro que está sendo gasto com essas pessoas deveria ser utilizado para o pagamento do aumento dos servidores do quadro ou para a contratação dos aprovados nos último concurso.

"Judiciário não pode brincar com o cidadão"

"A população hoje exige que o Judiciário seja transparente, eficaz, ético, justo e produtivo. O Judiciário não pode brincar com o cidadão. Se nós não ocuparmos nosso espaço, outros vão ocupá-lo". A frase é do corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, e foi dita durante entrevista coletiva, concedida na tarde de ontem, em João Pessoa. O corregedor, que é lembrado sempre pelo seu rigor durante as apurações, defendeu a prestação de contas pelos gestores à sociedade. Ele comentou que nos Estados onde o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou as inspeções foram observadas algumas mudanças de foco de atuação e o aumento da consciência do cidadão e juízes quanto à importância de acompanhar as atividades do Judiciário.

Gilson Dipp destacou que existem problemas, sim, na Paraíba, a exemplo da falta de funcionários e da existência de uma estrutura inferior para a primeira instância. De acordo com ele, os tribunais costumam ter maior número de servidores, melhor estrutura e acabam acumulando menos processos que no primeiro grau. Quanto às denúncias de casos de nepotismo cruzado e direto que estariam acontecendo no Judiciário, o corregedor disse que isso também está sendo motivo de averiguação da inspeção e que, caso fique constatado, o tribunal terá que tomar alguma providência. Outra suposta irregularidade apontada foi o uso de carros e motoristas oficiais por magistrados em período de férias. Ele disse que essa é uma prática comum, mas que nos próximos dias o CNJ baixará uma resolução disciplinando isso. O ministro avisou que a inspeção será encerrada oficialmente hoje, mas lembrou que os trabalhos podem ser estendidos caso os juízes julguem necessário. "Isso não quer dizer que os juízes não possam voltar à Paraíba caso seja necessário", avisou.

O ministro foi questionado durante a coletiva sobre algumas denúncias feitas em relação a magistrados paraibanos e a supostas práticas do Tribunal de Justiça do Estado. Apesar de não querer "se antecipar", uma vez, que não tinha tido acesso à equipe do CNJ que está fazendo o trabalho de inspeção, ele garantiu que todas as denúncias serão apuradas e informou que o relatório final sobre a inspeção será elaborado no período de 15 a 20 dias e precisará ainda da aprovação do plenário do CNJ para posterior divulgação. Mesmo com as denúncias, ele disse que a situação da Paraíba é melhor do que a encontrada pela Corregedoria em outros Estados brasileiros, principalmente no que se refere à gestão de qualificação e estrutura física.

O corregedor veio à Paraíba para participar da audiência pública, que faz parte do processo de inspeção que está sendo realizado no Tribunal de Justiça. Ele anunciou ainda que nas próximas semanas será realizado no Estado um mutirão carcerário para tentar dar andamento aos 14 mil processos que estão acumulados na Vara das Execuções Penais de João Pessoa. Gilson Dipp classificou esse fato como preocupante e disse que é necessário verificar se já existem penas vencidas e presos que já possuem direito a algum tipo de benefício, para que se possa desafogar o sistema. (BT)

OAB reclama da falta de funcionários

A primeira entidade que teve direito à palavra foi o Ministério Público Estadual. A procuradora-geral Janete Ismael destacou a boa relação que o órgão que dirige tem com o Tribunal de Justiça, mas por várias vezes foi questionada pelo ministro-corregedor se não teria nenhuma reclamação a fazer. Como disse que não, Dipp ainda perguntou o que o Ministério Público vem fazendo para reduzir o número de processos acumulados na Vara de Execuções Penais e ela disse que teria realizado mutirões.

Em seguida, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da Paraíba, José Mário Porto, usou a palavra para encaminhar as reclamações, entre elas, a morosidade da Justiça, falta de funcionários e magistrados, além de deficiência do serviço de informática. A exemplo de outras entidades, se queixou quanto ao pagamento de precatórios, que, segundo ele, está em atraso desde 2002. Sugeriu o desenvolvimento do projeto Conciliar para processos de natureza civil e a redução das taxas judiciárias cobradas no Estado, para que todas as pessoas tenham acesso à Justiça.

O presidente da Associação dos Magistrados da Paraíba, Antônio Silveira Neto, disse que o Judiciário paraibano contava com "juízes valorosos, mas o que falta são as condições de trabalho". Ele também apresentou uma pesquisa que revelou o seguinte: 25,6% das varas do Estado não possuem analistas judiciários, enquanto em 68% existem menos de cinco técnicos judiciários trabalhando, número considerado insuficiente pela instituição.

O estudo ainda revelou que dos 223 juízes que atuam atualmente no Estado, segundo o estudo, 65% já acumularam nos últimos seis meses o trabalho de pelo menos duas unidades judiciais ao mesmo tempo, devido à carência de magistrados. De acordo com a pesquisa, 85% dos juízes não dispõem de formulário eletrônico para realizar despachos ou sentenças, enquanto 100% deles não contam com sistema de gravação de audiências. Para mostrar que os magistrados paraibanos trabalhavam muito, apesar de todas as dificuldades, Antônio Silveira Neto disse que eles julgaram, durante o ano de 2008, 125 mil processos, distribuíram outros 152 mil e arquivaram 168 mil.

Durante a audiência, foram feitas várias queixas sobre o atraso no pagamento de precatórios. O procurador-geral do Estado, Marcelo Weick, informou que o governo da Paraíba tem R$ 320 milhões na Justiça Comum para receber em precatórios. "Para se ter uma idéia isso é equivale a 10% da receita anual do Estado", comentou. Além disso, ele contou que são 60 execuções fiscais de cobrança de dívida ativa no valor total de R$ 3 bilhões, valor que equivale à receita líquida da Paraíba. O procurador sugeriu ainda a criação da Câmara de Conciliação de Precatórios.

CASO DE ALAGOINHA

O representante da Fundação Margarida Maria Alves, Ricardo Brindeiro, denunciou, através de versos e música, o suposto abuso de poder e autoridade que teria sido cometido pela juíza de Alagoinha, Inês Cristina. De acordo com ele, a magistrada teria obrigado merendeiras a doarem cestas básicas, porque entraram em greve. Outro absurdo que teria sido cometido pela juíza foi proibir que os moradores vestissem preto no dia 7 de setembro.

Foram inscritas para falar durante a audiência pública 56 pessoas, sendo que desse total 21 estavam representando entidades relacionadas ao Poder Judiciário. Para usar a palavra durante a sessão, foi dado preferência àqueles que tratariam de assuntos de interesse coletivo. Para os que tinham denúncias, reclamações, dúvidas, entre outros assuntos, de questões individuais, o CNJ disponibilizou uma equipe para atendimento. Até o início da noite de ontem, 113 pessoas encaminharam as suas demandas.

Entre os que foram atendidos individualmente estava Carlos Alberto Cavalcanti, que disse ter sido maltratado durante audiência do seu divórcio. Ele informou que foi vítima de "arrogância e prepotência" por parte do juiz da 4ª Vara de Família. (BT)